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    Homem Livre
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Homem Livre

    A crucificação de um pop star

    por Bruno Carmelo

    É interessante a chegada aos cinemas de uma reflexão sobre o fenômeno da idolatria de celebridades criminosas. Assassinos recentes como o goleiro Bruno ou Suzane von Richthofen foram recebidos com aplausos e pedidos de selfies na ocasião de suas libertações, enquanto estupradores em série como o Maníaco do Parque despertam amores e pedidos de casamento de algumas mulheres Brasil afora.

    Psicólogos podem tentar justificar o fascínio através dos conceitos de projeção ou da ideia de liberdade e rebeldia inspirada pelos ícones improváveis. Ao cinema, cabe observar e fornecer chaves de leitura ao invés de apontar justificativas únicas. Este é o caminho adotado por Homem Livre, história de um cantor pop (Armando Babaioff) preso durante muitos anos em função de um assassinato. Quando sai da prisão, é acolhido por um culto evangélico que pretende transformá-lo em símbolo máximo da redenção. Hélio Lotte tem sua fama mantida, porém deslocada de galã inofensivo a sedutor perigoso. De qualquer modo, o ex-prisioneiro permanece um objeto de fetiche, um instrumento de marketing.

    O diretor Álvaro Furloni transforma a premissa num suspense psicológico, ocultando do público informações preciosas para revelá-las gradativamente. O espectador demora a descobrir o crime cometido por Hélio, as reais intenções do pastor Gileno (Flávio Bauraqui) ou da jovem religiosa que se aproxima dele (Thuany Andrade). Este é um terreno sem inocência, mas também sem maniqueísmos. O roteiro desfruta de sua ironia, desde o título até os diálogos explicativos, porém funcionais, como “Isso aqui não é uma prisão”, dito pelo pastor ao entregar as chaves do quarto para Hélio. Não existe perdão nesta história em que o passado deixa marcas profundas no homem liberto. É possível um assassino se reinserir na sociedade?

    Como reflexão social, talvez Homem Livre ofereça um material modesto. Sua prioridade é investir na paranoia crescente do protagonista, incapaz de saber em quem confiar. O roteiro exagera em algumas cenas (a reaproximação da garota, as chamadas telefônicas) para ganhar em tensão. Alguns fatores são mal explicados, como a duração do encarceramento, ou a decisão do protagonista de fazer sexo dentro do quarto onde acredita ser filmado por câmeras secretas. As escolhas compensam na maior parte do tempo: ao fugir do realismo, o projeto se intensifica como exemplar de gênero. Armando Babaioff contribui com uma composição contida, porém expressiva.

    Além da fotografia sombria, que transforma os bastidores da Igreja num cenário de terror, o elemento técnico que desperta curiosidade é o trabalho sonoro. Os suspenses psicológicos costumam se apoiar no acúmulo gradativo de ruídos e temas musicais como sintoma do transtorno interno do personagem, porém Hélio vive numa bolha: ele frequenta um culto silencioso, transita por ruas vazias, prende-se em quartos sem barulhos. Os diálogos são perfeitamente desenhados pela edição sonora, porém o mundo ao redor é estranhamente calado. Nada de gritos, cachorros latindo, carros pela rua. A escolha diminui o realismo e reforça o teor fantástico das reviravoltas que podem, ou não, fazer parte da imaginação do homem atormentado.

    Homem Livre funciona pela coesão da proposta com o porte da produção. Furloni demonstra bom controle do que pode extrair daqueles cômodos, daquelas luzes e daquele elenco. O projeto não subestima a inteligência do espectador com explicações excessivas, nem tenta ser mais esperto do que ele, enganando-o a qualquer preço. Sua estrutura é clássica, linear, satisfatoriamente fechada. Um trabalho competente, do tipo que o cinema nacional poderia praticar com mais frequência.

    Filme visto no 6º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2017.

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