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    Fernando
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Fernando

    A rotina do artista

    por Bruno Carmelo

    Como representar a complexidade da vida de uma pessoa em um único filme? Algumas biografias convencionais tentam incluir o máximo de informações possíveis (a ficção Elis, por exemplo), outras resumem o projeto ao elemento que tornou a pessoa famosa, como sua profissão (Francisco Brennand), outras ainda acreditam na importância de desprender a pessoa de sua imagem, apostando nas ideias e debates suscitados por ela (Kurt Cobain: About a Son). O documentário brasileiro Fernando acredita que a vida do artista Fernando Bohrer se resume por suas idiossincrasias, seu tempo particular, sua relação com a casa e o marido – enfim, sua rotina. Os diretores Paula Vilela, Julia Ariani e Igor Angelkorte acreditam no valor do banal.

    É importante precisar que, felizmente, Bohrer está vivo, algo que distancia o projeto do saudosismo típico dos filmes-obituários. Presente em cena, o artista pode colaborar com o filme, não no sentido de determinar a sua realização, e sim por expor sua intimidade com uma franqueza admirável. Temos cenas do protagonista no banheiro, na praia, deitado na cama com o marido, cortando os alimentos para preparar a janta. Através de diálogos cotidianos e gestos simples, compreendemos um modo de pensar e de estar no mundo. É um prazer encontrar diretores que apostam na capacidade representativa do cinema, privilegiando metáforas e metonímias ao invés da linearidade burocrática dos fatos.

    Devido à liberdade poética do projeto, o espectador não encontra depoimentos à câmera, narrações em off, letreiros explicativos ou outros recursos tradicionais de condução da narrativa. Fernando é articulado através de longos planos-sequência, alguns deles em câmera estática, permitindo ao personagem se expressar livremente em associação com pessoas e atividades que lhe são importantes. A montagem sabe dosar o tempo da contemplação com o instante exato de cada corte, cada elipse. A precisão das cenas e a articulação de ideias funcionam à perfeição, costurando um conteúdo que, sem uma mão firme, poderia parecer vago demais. 

    As imagens demonstram uma rara combinação de formalismo e espontaneidade. Os enquadramentos cuidadosos, com belo trabalho de luz, poderiam sugerir algo próximo de um controle ficcional, porém as conversas de Fernando com os amigos no bar soam livres o suficiente para não imprimirem qualquer desconforto com a presença da câmera. Os cineastas se colocam em cena, revelado uma relação de intimidade com o biografado e contribuindo à organicidade – e sinceridade – do resultado. A observação é atenta, mas nunca invasiva: é comum encontrar o olhar da direção no cômodo ao lado daquele em que se encontra Fernando, esperando o artista efetuar qualquer ação que desejar.

    O retrato se conclui de modo multifacetado, devidamente aberto a interpretações e questionamentos. Este é um cinema que não pretende ensinar ou esclarecer, e sim levantar elementos para que o espectador complete por si próprio uma imagem da pessoa retratada.

    Filme visto no 6º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2017.

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