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    Os Brinquedos Mágicos
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Os Brinquedos Mágicos

    Ser ou não ser especial

    por Bruno Carmelo

    A princípio, os protagonistas desta animação chinesa se encaixam numa categoria à parte dos tradicionais brinquedos e bichos de estimação que povoam as narrativas infantis. Eles são bonecos infusores de chá, que mudam de cor ao serem molhados. Estes objetos únicos – não há dois iguais, de acordo com a narrativa – precisam chamar a atenção dos clientes e serem comprados (num estranho existencialismo comercial, que não explica o que acontece uma vez que são adquiridos), exceto por Nathan, um raro boneco infusor que não muda de cor. Considerado “defeituoso” e rejeitado pelos clientes, apesar de ser abraçado pelos colegas da loja, ele decide partir numa jornada existencial em busca de sua “verdadeira cor”.

    Neste momento, Os Brinquedos Mágicos se une a tantas produções dedicadas a um personagem marginal precisando lidar com a sua condição “especial”. Junto dele se encontra um robô solitário e ingênuo, de voz infantil, que também gostaria de descobrir sua origem e seu propósito no mundo. Logo, os problemas específicos deles se direcionam aos valores universais de aceitação de si próprio, tolerância com a alteridade e reconhecimento de que sua característica distintiva, na verdade, pode constituir uma força ao invés de uma fraqueza. Não é difícil enxergar em Nathan uma alegoria da diferença social, seja ela étnica, de sexualidade, de classe social ou mesmo uma deficiência intelectual ou física. A jornada do boneco partindo sem rumo constitui o chamado à aventura na qual o herói pretende encontrar o seu valor – seja ele existencial e comercial.

    O olhar solidário à diversidade não distingue o filme de tantas animações infantis contemporâneas, porém oferece alguns acréscimos dignos de nota. Primeiro, os personagens debatem abertamente pressupostos filosóficos, e chegam a enunciar que “controle e liberdade são as maiores questões”, assim como “todas as perguntas são importantes”. O público é convidado a se questionar sobre sua autonomia, seu livre arbítrio, sua posição na sociedade e a necessidade/vontade de conquistar um espaço diferente daquele reservado por sua origem. Em outras palavras, mais do que dizer às crianças o que fazer (respeitar os outros, amar a família etc.), o roteiro privilegia a reflexão de si próprio. Ainda que existam algumas lições moralistas rumo ao final, o desenvolvimento surpreende ao eleger como “livro sagrado” uma obra de mecânica quântica sobre buracos de minhoca e viagens no tempo.

    Além disso, os oráculos e vilões, por mais acessórios que pareçam dentro da trama, sofrem transformações consideráveis em suas construções. O primeiro é visto como uma espécie de figura mitológica capaz de responder a qualquer pergunta da humanidade, contanto que a pessoa supere perigos mortais para merecer a resposta; e o segundo se revela um monstro de apurado senso estético, que rouba grandes obras de arte (incluindo a Mona Lisa) para se deliciar diante da beleza destas construções humanas. “A minha admiração garante a eternidade para você”, afirma Raio para uma de suas vítimas. Essas personalidades não apenas resultam num efeito singular dentro de uma animação, permitindo motivações muito mais complexas do que “salvar o mundo”, mas também ilustram bem a discussão sobre controle e liberdade proposta pelos protagonistas – um deles, dependente do olhar desejante dos compradores, e o segundo, compelido a receber ordens de terceiros por seu status de robô. De maneira lúdica, o filme ousa discutir a imagem enquanto representação e/ou apreensão do real.

    Passada a introdução esquemática, com narração linear e cenas dentro da loja de chás que devem muito à franquia Toy Story, o projeto alça voos próprios quando mergulha no subterrâneo, desvendando mundos dotados de configurações sociais bem particulares. O uso de sombras se revela bastante eficaz ao compor a imagem fictícia dos ratos assustadores, assim como a cortina oculta um ato de violência para sugerir, desde a infância, que os jovens espectadores recorram à própria imaginação para supor o que ocorre com os personagens ali atrás. É certo que o resgate de uma personagem feminina soa pouco orgânico, assim como o aceno ao romance entre Nathan e a boneca. Mesmo assim, pela amizade entre Nathan e Futurobô e pela capacidade de aprofundar o debate dentro das regras do gênero, Os Brinquedos Mágicos se torna um projeto bastante interessante dentro do circuito comercial.

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