Muito mais um docudrama adulto de History Channel do que filme biográfico concretamente transgressor, Benedetta possui escolhas formais genéricas e um drama que, quando busca ser provocativo, nunca escapa de uma zona bastante confortável
Essa imagem límpida do filme, sua fotografia chapada e a profundidade de campo empregada resultam numa padronização imagética que torna os planos de Verhoeven demasiadamente padronizados. Afora algumas explorações interessantes envolvendo silhuetas (a marcação de corpos contra tecidos, exaltando um caráter até renascentista das composições), toda a abordagem visual do filme articula uma pasteurização que desdramatiza o que está em tela. Muitas cenas acabam sendo gritantes no aspecto de reencenação de fatos, tamanha a falta de inspiração na decupagem realizada.
Pode-se até entender a busca de Verhoeven por uma frontalidade que desromantize essa história que mistura aspectos divinos com profanos aos olhos da época. Nas cenas das visões de Benedetta isso até funciona bem ao desmascarar uma suposta pureza presente no imaginário cristão a respeito dessas iluminações místicas. Algumas delas envolvendo Jesus trabalham bem na dialética entre a artificialidade da violência explícita e a ironia que advém dessa frontalidade renunciante de qualquer proposição idílica. O grande problema é que, quando isso se replica ao longo de toda a narrativa, aliada às escolhas genéricas de decupagem, o filme se reduz a uma espécie de produção protocolar de médio porte para a TV.
O mais problemático de tudo é a impossibilidade se observar alguma sinceridade de Verhoeven no trato de suas temáticas quando essa concretização visual se mostra incipiente. As próprias cenas de sexo ficam num lugar muito seguro da obviedade de filmes eróticos quando tudo busca escapar de uma sensualidade sugestiva em prol da frontalidade dos corpos, porém não vai além de uma dinâmica de mera ilustração mecanizada. É difícil acreditar que o mesmo cineasta de Showgirls foi capaz de produzir cenas de sexo tão desinteressantes como as daqui. Ainda que, no filme de 95, o caráter performático da toda a narrativa contribua para a exacerbação dos corpos em cena, e aqui temos uma história ambientada em espaços austeros, não justifica tamanha falta de cuidado com esses momentos, supostamente, relevantes de seu filme.
Mesmo a ambiguidade presente nos milagres de Benedetta, terreno fértil para explorações dialéticas, não mantém uma consistência que justifique todo o tempo dedicado a isso. Seja pela falta de inventividade na decupagem e em aspectos propriamente fotográficos, seja pelo caráter demasiadamente calculista do roteiro nessas situações milagrosas, não existe dramatização sensível ao ponto de manter algum interesse em supostas situações-chave da narrativa. Quando o conflito derradeiro entre Benedetta e Bartolomea se dá pela revelação do truque, acaba sendo muito mais um desenlace narrativo óbvio (e exaustivamente adiado), típico, novamente, de dramas televisivos genéricos, do que algo dialeticamente relevante para o filme.
Com isso, o filme parece buscar algum apelo sobrevivente pelas suas premissas transgressoras e, a uma certa cinefilia, pelas suas inspirações temáticas. Mas, se há o referencial a Narciso Negro, é o filme de Pressburger e Powell reduzido ao caricato. Algo que, a priori, não seria necessariamente ruim, mas soa um desleixe quando se utiliza dessas referências para resolver a situação em torno de Christina (principal oposição à Benedetta dentro do mosteiro) de modo desinteressado, recusando a exploração desse maneirismo capturado do filme britânico para além do recurso prático em tela. E não é nenhuma surpresa quando a espécie de julgamento de Benedetta e as torturas em Bartolomea também trazem um referencial apenas utilitarista à Dreyer. Algo que, ainda que possa buscar certa dialética através da desdramatização do fato remetente através da maior frontalidade na composição que Verhoeven impõe, soa demasiadamente apressado em tela, um mero condutor narrativo que apela para imaginários cinéfilos a respeito de situações bem estabelecidas.
Quanto à premissa transgressora, afora o já discutido conforto do filme em suas cenas supostamente obscenas, toda essa dinâmica no mosteiro remete a um Demônios de Ken Russell sem nunca de fato atingir a catarse elevadora de sua narrativa. O descontrole que advém da iminente execução de Benedetta na fogueira se resume a cortes desconexos e escolhas pobres de decupagem. Essa condução de multidões é realizada de modo extremamente genérico. Como que exacerbando todos os problemas do filme, tal sequência soa novamente como uma reconstituição visualmente pasteurizada de fatos, carecendo de qualquer senso de ritmo e dimensão espacial no rompante violento.