Introdução à luta de classes
por Bruno Carmelo“A história de todas as sociedades até o presente é a história das lutas de classes. [...] A condição essencial para a existência e para a dominação da classe burguesa é a acumulação da riqueza em mãos privadas, a formação e a multiplicação do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado”. Este e outros trechos de "O Manifesto Comunista", de Marx e Engels, são lidos durante A Fábrica de Nada, de Pedro Pinho. A ideia é apresentar as bases do funcionamento capitalista e ilustrá-lo, para em seguida sugerir novas configurações possíveis de sociedade.
A narrativa se articula em três caminhos paralelos. O melhor deles diz respeito à situação dos funcionários de uma usina portuguesa de produção de elevadores. Um dia, eles descobrem que o local vai fechar – não porque deixou de dar lucros, e sim porque a produção poderia ser ainda mais lucrativa em outros lugares, como a China. Eles se veem desempregados e começam a debater sobre as ações a tomar: greve, bloqueio da fábrica, negociação? O dinheiro oferecido pelos patrões serve para aumentar as tensões, afinal, os mais pobres ficam tentados a aceitar o acordo, dando a impressão de trair a maioria. O desequilíbrio de capital – uns recebem oferta de 10 mil euros, outros, de 123 mil euros - é introduzido de modo proposital, para semear a discórdia do grupo e colocar os operários uns contra os outros.
Esta narrativa se desenvolve de modo clássico, com muitos close-ups e diálogos didáticos sobre a exploração burguesa. Mesmo assim, os atores são verossímeis, e o roteiro consegue incluir uma variedade notável de pontos de vista. O segundo caminho é a vida particular de um desses operários, Zé (José Smith Vargas), que sofre uma crise com a namorada brasileira. O personagem parece ter sido escolhido por acaso, pela necessidade de pegar um exemplo entre a massa indistinta da fábrica. Sabemos pouco deste homem, ora inferente aos debates políticos, ora enraivecido contra a diretoria. Apenas nos 40 minutos finais se descobre sua paixão pela música e a importante influência familiar em sua visão política. Antes disso, ele permanece uma incógnita.
A terceira narrativa paralela, a mais fraca delas, acompanha o debate entre filósofos e especialistas sobre a crise do capitalismo. A história é interrompida com frequência para que homens sábios ao redor de uma mesa discutam se a burguesia criou os meios para a sua própria destruição, como previa Marx, ou se o capital tem encontrado meios de driblar as dificuldades através de novas formas de exploração dos trabalhadores. A discussão é importante, porém transforma o filme numa palestra. Uma ótima palestra, diga-se de passagem, mas ainda sim uma palestra, mais do que uma obra de arte. Para ser político, um filme não pode se contentar em ter a política como tema, ele precisa adotá-la na forma.
Este aspecto constitui o maior questionamento sobre a relevância militante de A Fábrica de Nada. Pedagogicamente, o projeto explica como funciona o capitalismo, o que propõe o comunismo, e ilustra ambas as vertentes para a compreensão do público. No entanto, sua forma revela-se um tanto asséptica. A imagem política pode ser agressiva, provocadora, irônica, lúdica, poética, paródica, surpreendente. Ela precisa conter, em seus enquadramentos, sua montagem, sua luz e seus sons, um componente político. O filme português ameaça enveredar pelo musical na reta final, mas esta pequena vinheta se abre e se conclui sem contaminar a história ao redor. O roteiro abre um painel vasto demais, e claro, excessivamente claro, quando talvez o papel da arte seja confundir ao invés de esclarecer.
Filme visto no X Janela Internacional de Cinema do Recife, em novembro de 2017.