A moral negociável
por Bruno CarmeloO filme se abre com a cena de uma prostituta praticando sexo oral em um motorista, dentro do carro dele. No banco de trás, o jovem filho da prostituta espera a mãe terminar o serviço. A cena pode chocar os espectadores, especialmente por se tratar de um filme iraniano. Passada a apresentação, nenhuma cena terá o mesmo impacto desta. O diretor Ali Soozandeh prefere surpreender no início, para depois desconstruir a lógica por trás de diversos tabus da sociedade islâmica, como o consumo de drogas, a obrigação da virgindade, a perda da honra familiar etc.
Teerã Tabu visa desconstruir polêmicas ao invés de explorar o caráter fetichista das mesmas. Em estrutura coral, a narrativa acompanha meia dúzia de personagens confrontados a regras morais que também constituem leis, passíveis de prisão ou pena de morte. O primeiro passo consiste em humanizar estas figuras, tentar compreender o motivo de suas ações, sugerindo que a miséria social constitui o principal motor de atos contrários à ordem vigente. O segundo movimento visa apontar a hipocrisia dos homens poderosos, acostumados a uma série de práticas proibidas pela religião, como o consumo de álcool e pornografia, mas prontos a culpar mulheres, estrangeiros e outras minorias quando estes infringem as leis.
Pelo discurso progressista, especialmente no que diz respeito à autonomia das mulheres sobre seus corpos, a ficção se revela bastante corajosa. A escolha da animação traz um efeito interessante. O ato de representar atores, em live action, fazendo sexo ou consumindo drogas poderia ser nocivo ao elenco, ou limitar a visibilidade do filme. Mas a textura animada, por seu caráter inerentemente dissociado da realidade, permite maior liberdade. Ironicamente, o ato de se afastar do real permite representá-lo de modo mais profundo. A animação torna-se instrumento político de linguagem.
Mesmo assim, as técnicas de animação são bastante simples. Teerã Tabu opta pelo live action convertido em traços animados semelhantes a filtros do Photoshop. O resultado pode não explorar muito bem as possibilidades de fantasia típicas do gênero, porém conserva o realismo das expressões e dos movimentos humanos, que constituem uma prioridade ao diretor. As cores são usadas para ilustrar a hierarquia social, caso da ótima gag sobre a loja de fotografias, onde cada imagem tirada pelos personagens necessita de um fundo diferente, de acordo com o uso: “É para escola pública? Privada? O trabalho é em empresa? Grande ou pequena?”. O roteiro sabe explorar o os códigos absurdos.
Por fim, o projeto evita as principais armadilhas da representação do sexo e da violência, como a condescendência com o espetáculo do crime e a reprodução de tabus sem a devida compreensão social dos mesmos. O filme mantém um discurso firmemente situado na situação socioeconômica do século XXI, a exemplo dos quadros do presidente fixados em paredes de residências e dos comentários interessantes sobre a tecnologia moderna nas transformações de liberdades individuais. Teerã Tabu possui evidente carinho pelos personagens, sem reforçar suas misérias nem apontar para otimismos fáceis. Além disso, faz uso inteligente da linguagem e das ferramentas de representação.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.