Jornada de sobrevivência
por Bruno CarmeloO primeiro aspecto de destaque neste drama é o seu retrato do esforço físico. Um homem jovem (Kabwita Kasongo) corta uma árvore imensa, enquanto a câmera acompanha as dezenas de machadadas, em plano-sequência, ao longo de muitos minutos. Este é apenas o início da rotina do protagonista, que ainda passa horas construindo um forno, armazenando carvão e atravessando 50 km a pé, com dezenas de sacos de carvão sobre uma bicicleta, até a cidade onde possa vender o seu produto.
Makala se desenvolve como uma jornada de sobrevivência, porém sem o glamour normalmente associado ao termo: este não é um momento excepcional na vida dos personagens, uma reviravolta marcante em suas vidas, e sim uma atividade realizada com frequência. A pobreza é retratada menos por seus aspectos psicológicos do que pelo cansaço intenso, retratado plano após plano. Não sabemos se o protagonista está feliz ou triste: sem conhecer uma realidade diferente desta, o rapaz não se queixa. Seu único desejo de mudança se encontra no sonho de construir uma casa para a família.
Os planos contínuos carregam a produção de uma incômoda sensação de naturalidade: pelo enquadramento aberto, fica claro que é realmente o ator quem corta a árvore, quem carrega a bicicleta, quem caminha durante tanto tempo. Mesmo na ficção, estamos próximos da relação que o documentário mantém com a realidade no que diz respeito à mínima interferência no meio ao redor. A produção ostenta uma preocupação etnológica, catalogando com calma o modo como os congoleses da região produzem sua comida, como se deslocam, como se comunicam, quais são seus principais hábitos. O diretor Emmanuel Gras aposta em um filme de procedimentos, atento aos mínimos gestos.
Esta escolha poderia imprimir um tom de urgência, normalmente alheio a preocupações estetizantes, porém as imagens de Makala são deslumbrantes: a fotografia sabe explorar ao máximo as luzes locais, a profunda escuridão das estradas sem energia elétrica e o efeito que a poeira causa na iluminação. Sem embelezar a miséria – ou seja, sem tentar embutir um padrão estético que não pertence ao local – o filme trata o périplo do protagonista com afeto e calma, fornecendo ao espectador imagens bem cuidadas em termos de composição, duração e luz.
Makala se conclui como uma obra política única, dispensando qualquer denúncia verbal ou martirização do personagem para retratar uma rotina distante da vida da grande maioria da população mundial. Gras permite que se descubra essas pessoas que não chamam a atenção dos noticiários, e cuja possibilidade de ascensão social é praticamente nula. Ao invés de fazer o espectador sentir pena pelo protagonista, o filme permite que se compartilhe poucos dias na vida desse rapaz e que, por associação, se compreenda sua história inteira. Este é um uso magnífico da linguagem cinematográfica como possibilidade de representar o mundo.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.