White girl down
por Taiani MendesEm 2001 os então “magos do humor” Peter e Bobby Farrelly realizaram O Amor É Cego, que explora uma série de piadas questionáveis sobre obesidade para chegar na moral da beleza interior. A magérrima Gwyneth Paltrow interpreta a versão “perfeita“, existente apenas diante dos olhos apaixonados de Hal (Jack Black) e vista por todos os outros sob uma montanha de enchimentos. Quase duas décadas mais tarde os limites sobre o que é aceitável e ofensivo em termos humorísticos mudaram bastante, mas não o império midiático da magreza.
Apesar de loira, bem empregada, bem vestida e habitante da cara Nova York, Renee (Amy Schumer), protagonista de Sexy Por Acidente, é uma vítima dessa pressão da sociedade por corpos definidos e sofre mais ainda por estar completamente imersa num universo de youtubers fashionistas, revistas de moda e produtos de beleza dedicados às “padrãozinho”.
Desconfortável com sua imagem, ela dedica-se a tentar malhar e deseja ardentemente uma oportunidade milagrosa de mudança de vida, tipo Quero Ser Grande. Que acontece. Uma alteração se dá em seu interior e Renee de repente começa a se ver da forma que sempre sonhou, enquanto o público e os personagens com quem ela interage permanecem com sua imagem intacta – ufa! Energizada, empoderada e com a autoestima nas alturas, ela toma coragem para tomar atitudes antes impossibilitadas pela insegurança e se dá bem, o que no caso tem muito a ver com estar no lugar certo na hora certa, mas presta serviço à ideia de que a mulher é sempre sua pior inimiga.
O objetivo da trama é explicadinho no final em sequência mais clichê impossível, com direito a palco, telão e surpresa, no entanto não deixa de ser um pouco turva a mensagem dos diretores e roteiristas Abby Kohn e Marc Silverstein. Renee não deve se sentir inferior por suas formas, como no início do filme, porém o se achar maravilhosa na mesma medida é considerado incorreto, pois a superautoestima acarreta esnobismo, desprezo pelas velhas amizades e futilidade. A principal gordofobia da trama é justamente a introjetada na personagem principal, incapaz de sexualizar o colega de trabalho por conta de seu tipo físico e totalmente crente de que só passou a ser bem tratada pelos outros depois que perdeu quilos.
Ainda assim, Sexy Por Acidente não chega a ser uma obra farsante como Descompensada, que prometia um sopro de irreverência nas comédias românticas e uma protagonista orgulhosamente porra-louca, mas revelou-se mais um exemplar da caretice de sempre. A mensagem do amor próprio afinal é repassada, o triângulo amoroso é bem desenvolvido até certo ponto e Michelle Williams rouba a cena como a ridícula empresária com ares de elfa e dona de voz imbecil, que, apesar de todos os privilégios, enfrenta problemas de afirmação como sua funcionária Renee.
Williams substitui a Tilda Swinton de Trainwreck em papel repetido que pode ser descrito como “respeitada atriz dramática surge irreconhecível em comédia de Amy Schumer como coadjuvante escrota em posição de poder”. A especialista em stand-up, aliás, deveria tomar algumas aulas particulares de atuação, pois sua performance nas cenas supostamente tristes, que exigem certo esforço emocional, são lastimáveis.
Comercial em longa-metragem da rede de spinning SoulCycle, Sexy Por Acidente não é exatamente nocivo, o que causa alívio considerando a premissa “perigosa”. Só que também não é engraçado, cativante, emocionante, apaixonante, defensor da diversidade ou tão inspirador quanto se assume.