A redenção pela tragédia
por Bruno CarmeloVocê já deve ter ouvido a ideia de que nada conserta um homem como uma doença, ou algum trauma na vida. Quem nunca escutou a história daquele indivíduo que, depois de passar por uma experiência quase letal, largou os vícios, os maus hábitos e passou a ter uma vida ética? A noção inerentemente religiosa de que a dor purifica as pessoas move Uma Viagem Inesperada, comédia dramática sobre um pai ausente e um filho problemático forçados a fazer uma viagem juntos. Ao longo do caminho, é claro, passam a se conhecer melhor, revelam segredos e se aproximam.
Isso não constituiria um spoiler, apenas a regra do jogo: é de praxe no subgênero do drama de superação que o final feliz venha demonstrar ao espectador que o sofrimento vale a pena como forma de aprendizado. O diferencial deste projeto se encontra na travessia de países: a narrativa se inicia no Rio de Janeiro, onde mora o engenheiro Pablo (Pablo Rago), e se conclui na cidade argentina Bolívar, onde partem em busca de uma conexão emocional. Os espaços são apresentados pelos códigos do panfleto turístico: o Rio de Janeiro é visto em planos aéreos da praia, do Cristo Redentor e do Pão de Açúcar, ao som de samba, enquanto Bolívar ganha destaque para seus lagos e paisagens, com direito a câmeras lentas para melhor apreciarmos a natureza.
O diretor Juan José Jusid abraça sem medo as convenções mais cristalizadas do road movie, do drama de redenção e do imaginário relacionado ao olhar estrangeiro. A imagem do engenheiro tomando um mate enquanto admira o Pão de Açúcar, com as bandeiras argentina e brasileira dispostas sobre a mesa do escritório, representa os clichês de cada nação de modo tão óbvio que beira o cômico. O mesmo vale para a música redundante, dizendo ao espectador quando ter medo e quando se emocionar, como se as imagens não bastassem por conta própria; além de símbolos simples como o jogo de xadrez para representar o primeiro confronto entre pai e filho. A direção acredita no poder dos símbolos, mas não confia na capacidade do público em desvendá-los, precisando torná-los mais explícitos e, consequentemente, mais fracos.
As imagens são prejudicadas por escolhas pouco elaboradas de decupagem, montagem e enquadramentos – vide a conversa entre Pablo e Lucy (Débora Nascimento) no parque, ou a curiosa câmera deslizante sobre os rostos em close-up, com profundidade de campo reduzidíssima. Quando não investe nos convencionais plano e contraplano, o filme faz apostas atrapalhadas para tentar imprimir dinamismo. Pablo Rego e Tomás Wicz apresentam boa variação aos personagens, ainda que suas jornadas sejam previsíveis e, novamente, repletas de códigos (o menosprezo do pai pela situação do filho no hospital beira o absurdo). Já as mulheres têm uma tarefa mais difícil, sendo reduzidas a objeto de desejo dos homens, ou às funções de mãe/namorada/amante. Elas orbitam ao redor do pai e do filho, sem conflitos próprios.
No entanto, Uma Viagem Inesperada logo traz a recompensa sentimental prometida, além das revelações no clímax sobre as cicatrizes emocionais destes homens. Se fosse executado com um pouco mais de esmero, o resultado seria um drama eficaz em sua crença otimista. O espectador poderia ser conquistado pelo ritmo, mas o trabalho temporal se perde na longa e ilógica revelação do filho pelos corredores do hospital, além da cena em que o pai reclama da emboscada sofrida antes mesmo de perceber que tinha sido roubado. Somados aos diálogos artificiais, à iluminação problemática, às dificuldades de enquadrar em espaços fechados e mesmo aos problemas de continuidade, as falhas acabam se sobrepondo ao humanismo da trama.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.