Uma noite de crime
por João Vítor FigueiraPor um lado, é bom que um filme como Sequestro Relâmpago seja realizado. O cinema nacional que ambiciona maiores bilheterias ainda é pouco aberto para além da dicotomia drama-comédia. Um filme de gênero, um suspense, como este projeto dirigido por Tata Amaral, é um bom exercício de diversificação de linguagem no cinema comercial contemporâneo brasileiro. Entretanto, a falta de diálogos e situações críveis e um desenvolvimento caricatural para a protagonista debilita a capacidade deste longa-metragem de causar o que ele pretende: tensão.
Marina Ruy Barbosa, que inicia com este projeto e com o romance Todas as Canções de Amor uma guinada cinematográfica após dezenas de trabalhos para a televisão, interpreta Maria Isabel, uma jovem carioca de classe média que leva uma vida cosmopolita em São Paulo, como mostra a sequência de abertura ao som de "Eu Sou Um Monstro", de Karina Buhr. Nos primeiros minutos do filme, Isabel é sequestrada depois de se encontrar com amigos em um bar à noite. Sidney Santiago interpreta Matheus, que tem pouca experiência com crimes que age em conjunto com Japonês, inconstante personagem de Daniel Rocha. As personalidades distintas da dupla causam uma série de conflitos entre os dois a respeito da maneira como a ação será conduzida. Depois de uma tentativa frustrada de sacar o dinheiro da conta bancária de Isabel em um caixa eletrônico antes das 22h, a dupla decide manter a jovem com eles até o amanhecer, quando poderão sacar alguns milhares de reais da conta dela.
Sequestro Relâmpago é capaz de maquinar uma sucessão de erros e perigos ao longo da madrugada: tentativas de fuga de Isabel, a proximidade da polícia, apuros com outros bandidos, brigas internas entre os sequestradores, a constante ameaça de violência sexual contra a jovem. Delimitando boa parte da ação a coisas que acontecem dentro do carro, Amaral consegue trabalhar bem enquanto diretora neste contexto restrito e usa jogos de câmera para mostrar como se dão as relações de poder naquele ambiente. Mesmo com potencial para ser um bom thriller, o que sabota a tensão do filme é são as atitudes pouco críveis dos personagens, especialmente da protagonista. Além disso, falta urgência nas atuações nos primeiros momentos do sequestro, algo que teria sido fundamental para pontuar de forma verossimilhante os riscos daquela situação.
O roteiro, assinado pela diretora em conjunto com Marton Olympio e Henrique Pinto, cria uma Isabel que incorpora discursos ativistas de forma caricatural, mais preocupada em chamar um segurança que poderia tê-la ajudado de "machista" do que falar de forma mais clara que ela estava sendo sequestrada e precisava de apoio. A forma como a personagem de Marina Ruy Barbosa canta "Rap é Compromisso", clássico do Sabotage, para mostrar que também gosta de hip hop na tentativa de conquistar a simpatia de seus algozes, beira o ridículo. Mas mais fora de tom ainda são os comentários que ela faz para tentar dizer que ela, de uma classe média supostamente decadente, e os dois bandidos estão no mesmo patamar social ao citar a concentração de riqueza dos 1% mais abastados do mundo. O momento "Quem é patricinha agora?" também é pouco natural. Também pesa contra o filme que a personagem de Barbosa dirija e (indiretamente) elogie um carro da mesma marca da qual a atriz é garota propaganda. Uma fronteira melhor delimitada entre o que seria uma publicidade escancarada e uma ficção dramática teria ajudado o longa-metragem a não ter um elemento extra fílmico distrativo.
O maior potencial do texto do filme são os contrastes entre os diferentes, a relação entre crime e desigualdade, as forças complexas de gênero, raça e classe que estão em jogo naquela incômoda relação entre vítima e bandidos. Só que isso tudo teria sido costurado com diálogos melhores. Ainda assim, há aspectos interessantes. A figura de Matheus é a mais interessante do filme. O personagem começa o longa-metragem como o "bom bandido", preocupado apenas em cumprir a tarefa e levar o dinheiro para sua família. Com a melhor atuação do projeto, Santiago aos poucos escancara suas próprias contradições de seu papel, algo fundamental para um filme que pretende gerar reflexões. Em alguns momentos, depois do começo arrastado, o trio principal mostra química em cena e leva a refletir qual tipo de realidade social teria permitido que os três fossem, talvez, amigos.
Digno em retratar a cidade de São Paulo, com seus contrastes próprios, como um outro organismo próprio do filme, Sequestro Relâmpago teria sido um filme bem melhor caso tivesse conseguido transmitir com uma eficácia mais consistente os perigos que apresenta.
Filme visto no 20º Festival do Rio, em novembro de 2018.