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    Western
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Western

    O faroeste, o homem e o selvagem pelo olhar de uma mulher

    por Rodrigo Torres

    A primeira coisa que chama atenção em Western é não se tratar de um faroeste. A segunda é notar que essa obra de elenco predominantemente masculino, sendo desenvolvida minuciosamente desde as cenas iniciais, foi escrita e dirigida por uma mulher. Ao fim, resta apenas a certeza de que Valeska Grisebach de fato realiza um neo-western, e dos grandes, em reunir questões atuais sobre choques de cultura no coração da Europa e uma modernização inteligente dos principais signos de um gênero clássico do cinema para realizar um estudo profundo sobre o instinto do homem.

    O Western de Grisebach remonta à noção medular de Velho Oeste desde a sua ambientação em uma região de fronteira. Aqui, os colonizadores são construtores alemães levando infraestrutura para uma pequena comunidade acidentada na divisa da Bulgária com a Grécia — que aqui representa o terreno selvagem, inóspito, dos filmes clássicos de faroeste, e não à toa é repleta de vales. Meinhard (Meinhard Neumann) é o protagonista, e um ponto de vista que medeia a visão do espectador diante do povo desconhecido (os senhores daquela terra búlgara), que vai sendo humanizado aos poucos, e seus pares da Alemanha, dotados de uma violência imanente. Reside aí a velha dualidade (que habita inclusive na memória histórica brasileira) sobre quem é o real selvagem, o índio ou o colonizador.

    Valeska Grisebach não escolhe mocinho e bandido, mas é bem crítica aos abusos de quem se reconhece como superior. Seu olhar tem como principal enfoque o instinto selvagem masculino, de todas as idades, de todos os povos; uma predisposição em resolver atritos rangendo os dentes, de forma animalesca. A dificuldade da língua é um problema e um símbolo, principalmente quando a questão nacionalista vem à tona em pílulas sobre a história europeia até meados do século 20 (a atuação alemã nas Grandes Guerras Mundiais) e sua crise atual, em que povos se desentendem em um período de forte êxodo que clama por conciliação no Velho Continente.

    Todos esses aspectos são contados em um ritmo lento, de construção acurada e uma tensão latente que nunca explode. Nunca! E em nenhum momento frustra. A concepção desse clima não carece de um desfecho catártico; sua mera elaboração via silêncios, olhares, closes na expressão do protagonista e na crueza de texto e imagem se basta, e oprime a despeito da fotografia solar. Quando a noite cai, a apreensão reside na reunião com locais, no romance imprevisto, nas brincadeiras entre velhos e novos amigos. Grisebach destroça os nervos do espectador com uma sutileza ímpar.

    Western se apresenta, assim, como uma história simples, visualmente prática, com uma ideação surpreendentemente complexa — qualidades que se aplicam, todas, ao seu personagem principal. Meinhard é um homem chucro, solitário, dotado de mistério, moral e uma trajetória militar, como um bom protagonista de faroeste. À altura de um Shane de Os Brutos Também Amam, um forasteiro dedicado ao trabalho, de hábitos simples, que busca uma razão para viver e nega seu passado violento. Até que o presente busca a selvageria dentro dele e, todo em preto, Meinhard abraça seu outro eu.

    Novamente, Valeska Grisebach apela à sofisticação e não compõe uma mudança brusca. Tal como um Walter White de Breaking Bad, Meinhard é um homem comum que passa a tomar as escolhas erradas de um homem comum. Portanto, sua transformação reside nos detalhes, e seu encontro com o típico cowboy do Velho Oeste (e a tensão decorrente) se dá em uma sequência brilhante: sentado à porta de uma venda, tal como um xerife, ele observa a pequena praça local — momento em que o campo se abre e o espaço o expõe. O tempo é suavemente suspenso, de modo a reforçar a lentidão de um carro que passa ali próximo. Inimigos ele tem aos montes, armas eles têm bastantes, a tensão cresce e o que se espera nunca acontece.

    A tônica de Western é, portanto, uma contínua subversão do que o cinema está habituado a fazer e o público espera assistir. Enquanto a maioria dos diretores e roteiristas enerva o espectador e o afaga ao fim, Valeska Grisebach espreme seus nervos e os descarta, joga fora, atira no lixo, sem sangue ou tiro. Em um filme com total desprezo pela expectativa do público, estabelecendo, do início ao fim de uma narrativa arrastada em duas horas, um jogo deliciosamente perverso — por ser pacífico. E que, em sua maior afronta aos moldes da sétima arte, propõe um tratado contra a violência ao modernizar o mais tradicional dos gêneros que ratifica a selvageria masculina.

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