Tempos de Shakespeare
por Francisco RussoAos 80 anos, Vanessa Redgrave não tem mais nada a provar. Ganhadora do Oscar de melhor atriz por Julia e detentora de outras cinco indicações à cobiçada estatueta dourada, ela é um dos ícones de sua geração de atores britânicos - dentre os quais se destacam, apenas para citar alguns, Maggie Smith, Anthony Hopkins e Ian McKellen. Com uma carreira já consolidada e consagrada, é preciso um motivo muito forte para debutar na cadeira de diretor com esta idade - e ela tem!
Militante por natureza, Vanessa tem um longo histórico pela defesa dos direitos humanos, especialmente em sua Inglaterra. É justamente por este motivo que decidiu se arriscar em uma função inédita, graças à urgência que sentia em expor a contradição existente na Europa, e em seu país-natal em particular, em relação ao tratamento dos refugiados. Mais do que propriamente denunciar a situação por eles vivenciada - o que ela faz, moderadamente -, seu interesse maior é apontar paralelos entre a situação atual e o ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, devido aos constantes bombardeios ordenados por Adolf Hitler. Ou melhor, ressaltar como a política adotada pela própria Inglaterra quando era vítima mudou drasticamente nos dias atuais, quando nega ajuda aos refugiados - mesmo aqueles que, legalmente, poderiam receber tal apoio.
Se pelo contexto histórico tal comparação é interessante, por outro o documentário peca pela ausência de argumentos mais aprofundados. De forma até mesmo ingênua, a atriz-diretora sustenta seu primeiro filme basicamente a partir da ideia de uma humanidade unida, sem jamais se ater à complexidade envolvendo a questão dos refugiados. É claro que tal situação tem imenso valor humanitário, mas o filme se recusa a abordar temas políticos ou econômicos, por exemplo, nem que seja para negá-los ou descaracterizá-los. Eles simplesmente não existem.
Ainda dentro deste lado ingênuo, Sea Sorrow pouco detalha o próprio tema o qual defende. A via crúcis dos refugiados é apresentada a partir de um punhado de breves entrevistas - exibidas logo na abertura do documentário -, um comovente vídeo de resgate, duas reportagens televisivas e só. Não há um maior aprofundamento em seu cotidiano nem no porquê da recusa do governo britânico em apoiar o mínimo de refugiados previsto por lei. Vanessa prefere se ater a amigos e parentes sobre o tema, abrindo espaço para que deem longos depoimentos, sem se preocupar se realmente são os mais capacitados a tratar sobre o assunto em um documentário - pelo discurso único apresentado, sem grandes variações, com certeza não.
Por outro lado, a diretora apresenta uma ideia interessante ao comparar o momento atual com os tempos de William Shakespeare em pleno século XVII, a partir de trechos escritos pelo bardo inglês recitados de forma que o espectador, com sua bagagem prévia, seja capaz de fazer a associação. Ainda assim, a repetição de tal proposta soa desnecessária - trata-se de um truque na manga a ser usado uma única da vez, de forma a causar impacto junto ao espectador, mais do que isso soa exagero.
Por mais que seja repleto de boas intenções, Sea Sorrow fracassa em parte pela ingenuidade de sua idealizadora na função de diretora e também pela atenção demasiada dada à sua própria família - tem até mesmo painel desenhado pela neta! Apesar da importante defesa transmitida, o tema dos refugiados na Europa merece um detalhamento bem mais detalhado e abrangente.
Filme visto no 70º Festival de Cannes, em maio de 2017.