Eu não matei a minha mãe
por Taiani MendesMãe e filho que não se entendem unidos em viagem a contragosto não pode ser chamada de premissa original, mas o diretor belga Joachim Lafosse, sempre tão confortável em dilemas familiares entre quatro paredes, se lançar no cenário acachapante das montanhas do Quirguistão para emoldurar seu característico drama como um faroeste é uma grata surpresa. Adaptando romance de Laurent Mauvignier, o cineasta explora neste Seguir em Frente os problemas entre Sybille (Virginie Efira) e Samuel (Kacey Mottet Klein), que mal se falam. Não cedendo à facilidade de inserir interlocutores para explicar o que mãe e filho evitam comentar, Lafosse aposta tudo nos dois e na locação, eventualmente recorrendo a interações com terceiros como gatilho. Como pouco há conversa, a compreensão de quem são essas pessoas se dá pela carga dramática que Efira e Klein colocam principalmente em seus corpos, que durante a maior parte do tempo encontram-se sobre belos cavalos - que participam muito e bem da trama.
Isolados numa terra de ninguém, eles agem como foras da lei que são, capazes de atos inaceitáveis pela sociedade, e a dificuldade na previsão dos próximos capítulos, somada aos sentimentos mal resolvidos e à inexistência da relação maternal tradicional, forma uma nuvem incestuosa que não chega a se mostrar de forma explícita, mas se reflete no comportamento de Samuel e teria brecha na falta de afinidade de Sybille com o ser mãe, afinal coloca o filho na mesma categoria do homem que foi o grande amor da sua vida, obrigando-se a escolher um dos dois.
Seguir em Frente confronta duas personalidades opostas numa guerra fria que está com os dias contados, mas o resultado dá para adivinhar. A longa jornada por localidade erma reserva ao aventureiros certos contratempos, alguns até prenunciados, e é isso que Lafosse também adota como ritmo, interrompendo de súbito a cavalgada compassada com alguma evolução imprevista nos contatos da dupla ou o contrário.
Usando as inúmeras possibilidades que o cenário riquíssimo cinematograficamente oferece, Lafosse realiza sem dúvidas seu filme mais bonito, com linda fotografia de Jean-François Hensgens que se esbalda na captura dos personagens contraluz, na enorme distância entre os dois no enquadramento e na admiração à hora mágica e à hora azul, sem temer a escuridão.
Regulando com conta-gotas o desvelamento da história problemática dessa mãe e desse filho que precisam esperar o desarmamento do sono para investir numa aproximação, Seguir em Frente reserva uma grata surpresa para o seu desfecho, que torna o longa ainda mais refinado em virtude do controle no uso do óbvio "trunfo" disponível. Não espere qualquer lição de moral ou mesmo entender todos os meandros do relacionamento entre a misteriosa Sybille e seu agressivo e carente herdeiro. Seguir em Frente é o retrato de um esforço, um processo em andamento. Incansável e otimista, como indica o nome, mas nada sereno, apesar dos silêncios.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.