A coletividade como protagonista
por Bruno CarmeloA primeira imagem deste drama expõe rapidamente os conflitos e os personagens ao público. Trata-se dos 1100 funcionários de uma usina francesa, prestes a serem demitidos quando a diretoria decide fechar a unidade e reabri-la na Romênia, onde os salários serão mais baixos. Nesta cena inicial, sindicalistas e executivos discutem sobre a legalidade e moralidade das demissões. Durante os próximos 115 minutos, o tema será o mesmo.
O diretor Stéphane Brizé aposta numa estrutura arriscada: ele pretende reproduzir a sensação de cansaço, de repetições, de impotência sofrida pelos trabalhadores. Eles gritam, mas não são ouvidos, argumentam, mas ouvem em resposta que “a diretoria está tão decepcionada quanto vocês”. O grupo recebe promessas de novos encontros e negociações, mas a situação não avança. As greves fazem pressão, mas não surtem efeitos práticos. A frustração é o motor de (in)ação deste filme que se pretende maçante, duro, asfixiante como são as relações de poder.
Para o espectador interessado em conflitos político-sociais, as discussões oferecem um denso mosaico sobre as falhas do capitalismo globalizado. Discute-se a liberdade excessiva das empresas, a fragilidade do governo, o papel da mídia na defesa do patronado e criminalização dos movimentos sociais, a função da polícia em defender a propriedade privada ao invés dos trabalhadores. Laurent (Vincent Lindon) constitui o porta-voz deste combate, mas os enquadramentos jamais o colocam sozinho em cena. Ele fala em nome de um grupo imenso, que se expressa sem parar ao seu lado.
Não espere momentos de silêncio, de respiro, nem uma apresentação detalhada das vidas afetivas destas pessoas. Elas são descritas, acima de tudo, como trabalhadoras. Seu caráter intercambiável serve como discurso político: não existe uma pessoa com mais razão do que a outra. Elas existem apenas como grupo, e em grupo. Brizé traz a figura do operário, como conceito, de volta ao protagonismo no cinema. Esta não é mais uma metáfora social e poética, a exemplo de O Valor de um Homem, filme anterior da dupla Brizé-Lindon. Agora, o cineasta parte para algo concreto, maciço, como as máquinas operadas por Laurent e seus colegas.
A metáfora da guerra serve muito bem ao propósito do filme: assim como nos conflitos entre nações, a guerra permite a oposição de coletividades igualmente anônimas (“os trabalhadores”, “os executivos”), para as quais os conflitos implicam uma possibilidade de morte. A entrada das usinas serve de terreno de combate, inicialmente verbal, e depois, perturbadoramente físico. A insistência de filmar os rostos também contribui a retratar o desgaste destes corpos como instrumento de trabalho. Para quem equipara greves a ausência de trabalho ou “vagabundagem”, basta ver o esforço sobre-humano exigido do grupo para se sustentar, e superar suas divergências internas.
É verdade que a experiência proposta por En Guerre não é nada agradável, nem pretende ser. Dentro da sala de cinema, os espectadores respiravam ao fim de cada longa cena saturada de gritos e trocas de acusações. Se o projeto encontra um limite importante, ele diz respeito a sua capacidade de representação: ao invés de simbolizar o cansaço, de encontrar ícones e metáforas para a luta, Brizé parte para a reprodução de uma realidade.
Por um lado, ele ganha em verossimilhança e na força de um grupo de sindicalistas com posições válidas, ainda que conflitantes. Os diálogos soam reais, cada grito reflete uma indignação palpável. Lindon, em especial, encontra uma variação impressionante de tons ao longo da batalha – vide o clímax, em silêncio. Por outro lado, choca mais pelas sensações do que pelo intelecto. O roteiro busca sensibilizar o espectador, no sentido estrito do termo, ao invés de provocá-lo em suas ideias. É possível que a intenção principal do projeto seja a comunicação com o público médio, não acostumado ao tema.
Chega a ser questionável a tendência ao martírio explícito rumo ao final, sublinhando a entrega completa dos personagens ao movimento, algo que já estava suficientemente claro. O filme parte de um tom intenso e termina em algo ainda mais forte, próximo da chantagem emocional. Talvez seja preciso esperar um bom tempo após o fim da sessão para raciocinarmos sobre as ideias lançadas. Durante todo o filme, o espectador é imerso no meio da briga. A poeira não baixa jamais.
Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.