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    Cine São Paulo
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Cine São Paulo

    A reforma de um cinema de bairro

    por Bruno Carmelo

    O que significa, em 2017, manter um pequeno cinema de bairro, que ainda projeta filmes em película? Na era da digitalização das salas, dos multiplexes, das sessões 3D, 4D, IMAX, das salas gourmet com comida e afins, que impacto tem no país a resistência do modelo tradicional de cinema? Este é o ponto de partida de Cine São Paulo, documentário que acompanha a rotina de Francisco Teles, proprietário de uma sala tradicional da cidade interiorana de Dois Córregos, no Estado de São Paulo.

    Os diretores Ricardo Martensen e Felipe Tomazelli se concentram nas reformas estruturais empreendidas pelo dono. A “modernização” da sala, para Teles, não implica a digitalização, pelo contrário: a intenção é conseguir um novo projetor 35mm, trocar a pintura, envernizar o chão de madeira etc. Pacientemente, os cineastas vão ao local dia após dia e, sem saírem do estabelecimento, transmitem a sensação de rotina pela repetição de tarefas: a porta emperrada que se abre e se fecha diariamente, a película sendo enrolada, a lâmpada trocada etc. Este é um filme sobre a magia do cotidiano.

    Por um lado, existe um prazer nostálgico em acompanhar a simplicidade de Teles, seus cadernos com os filmes anotados à mão, sua preocupação em restaurar os letreiros antigos. A equipe, em número visivelmente limitado, constrói enquadramentos precisos, capazes de representar a solidão do proprietário num grande espaço vazio. A direção de fotografia é excelente em sua naturalidade, enquanto a montagem encadeia cenas e ideias com exatidão. O despojamento da captação é aliado a um refinamento discreto, pertinente à premissa.

    É uma pena que as ambições do filme sejam minúsculas. Martensen e Tomazelli acompanham longas cenas de Teles esperando pela chegada dos bombeiros para avaliarem a estrutura do local, ou as tentativas de uma assistente da prefeitura em conseguir o novo projetor. São questionamentos apropriados àquele cinema em particular, mas que não refletem sobre o cinema de modo mais amplo. O que significa para os moradores de Dois Córregos ter um cinema em funcionamento? O que significa em outros locais pequenos como este o lazer à moda antiga? De que modo a digitalização afeta a cinefilia? O que representa a empreitada de Teles como modelo de negócios, e como resistência diante da competição predatória do mercado cinematográfico nacional?

    O espectador termina a sessão sem respostas a estas e outras perguntas que o tema parece levantar. Teles anuncia-se como ponto de partida para uma reflexão mais profunda sobre o cinema, mas no final ele é o ponto de partida e de chegada do projeto. Cine São Paulo é bem-sucedido em suas pequenas metas, mas deixa a sensação agridoce de ter ignorado algo grandioso, tão evidente e disponível naquele local. Trata-se de algo que não descaracterizaria sua simplicidade, pelo contrário. Apenas a tornaria mais pungente.

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