Boa ficção, mau documentário
por Bruno CarmeloEm um asilo para idosos de baixa renda vive Linardo, senhor que abandonou os filhos décadas atrás e hoje não conta com o apoio de nenhum familiar. Sua rotina se limita à televisão, às músicas no rádio e à eventual fabricação de vassouras para passar o tempo. Um dia, ele se aproxima de uma mulher do mesmo asilo, Alba, e sonha em passar uma noite a sós com ela, longe dos dormitórios coletivos onde dormem. Por isso, começa a juntar dinheiro.
A trama de Atentamente visa temas como o envelhecimento, a precariedade financeira e a perda dos laços familiares. A diretora Camila Rodríguez Triana retrata a rotina dos personagens de modo lento e preciso, com estética provavelmente inspirada nos quadros de Edward Hopper. Os moradores são diminuídos pelo grande espaço vazio à sua volta, enquanto ficam deitados na cama com uma doce luz banhando seus rostos. O ritmo e as cores sugerem banalidade, placidez. Privilegia-se a repetição, como nas sucessivas cenas de camas sendo desfeitas por funcionários, em referência à morte de algum morador.
Como desenvolvimento de uma história de amor entre dois idosos, o projeto se mostra singelo e cuidadoso. Não se força a mão no romantismo: a dupla limita-se a passar tempo lado a lado. No entanto, o filme incomoda por sua relação com o formato audiovisual. Em pleno século XXI, os cinemas – o brasileiro em particular – estão acostumados ao hibridismo entre ficção e documentário, porém este filme traz uma proposta diferente. Temos um material fictício que não se assume como tal, disfarçando-se de algo puramente documental. A presença no festival É Tudo Verdade, reservado aos documentários, acentua o desconforto.
Triana filma Linardo batendo à porta de Alba, associando a imagem ao plano simultâneo da idosa dentro do quarto à espera do namorado. A diretora capta planos de detalhe do anúncio que o protagonista segura nas mãos. Estes recursos são possíveis apenas na encenação, na decupagem fictícia. O dispositivo de Atentamente vai além de pessoas reais interpretando uma versão de si próprias como em Ela Volta na Quinta, ou de pessoas reproduzindo um comportamento típico para o registro sociológico como em Nanook, o Esquimó. Temos duas pessoas, de fato, atuando para a câmera, movimentando-se de acordo com um caminho traçado, parando nos pontos exatos do enquadramento e esperando o tempo necessário ao corte da montagem.
Não existe problema algum em se assumir como ficção, mas ao se vender como produto de apreensão imediata ou mínima interferência dos fatos – preceitos associados à linguagem do documentário – ele parece enganar o espectador. Este poderia ser um belo drama independente, com apontamentos relevantes sobre a solidão durante a velhice. Mas sua escolha questionável de linguagem chama tanto a atenção para si mesma que impede a fruição do humanismo.
Filme visto no 22º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, em abril de 2017.