O cinema desprezado
por Bruno CarmeloO apresentador Renato Prieto se dirige à câmera. Vestido como uma espécie de messias (ou mestre jedi), ele propõe revolucionar os conhecimentos do público caso o interlocutor esteja disposto à viagem sensorial. Com uma mensagem interpelativa no final do discurso (“Estão prontos?”, ou algo do tipo), o título surge em tela. Este documentário inicia-se em formato híbrido, mistura de palestra, reportagem televisiva e vídeo institucional. Assume-se um caráter informativo em primeira instância, e persuasivo em segundo momento: deseja-se vender conceitos como a “revolução sensorial” e conquistar novos adeptos à causa.
O tema, em si, tem o mesmo direito de ocupar um filme que qualquer outro. O diretor Juliano Pozati sugere a existência de diferentes planos de existência e de seres alienígenas vivendo junto à sociedade, seja por instinto de fraternidade ou autopreservação, enquanto especialistas na área defendem que os problemas da contemporaneidade (depressão, terrorismo, violência) seriam resolvidos com o acréscimo de fé, a abertura a novos usos da mente humana. Nenhum ponto de vista contrário é apresentado para tornar o discurso mais complexo, no entanto, a estrutura possui o mérito de assumir sua didática sem disfarces.
O problema de No Meio de Nós é de ordem cinematográfica – o único que caberia julgar numa crítica cinematográfica, afinal. Do ponto de vista da linguagem audiovisual, os recursos utilizados são paupérrimos. Os depoimentos de meia dúzia de especialistas em ufologia e espiritualidade apresentam má captação de som e fotografia – especialmente as entrevistas com convidados estrangeiros -, entrecortadas por incessantes jump cuts e efeitos de flares e feixes de luz sobrepondo-se à imagem, sugerindo a presença iminente de algum fenômeno sobrenatural. A trilha sonora beira o insuportável: uma música grandiosa ocupa a totalidade do filme, como se a direção temesse o silêncio e a possível reflexão que viesse das ideias oferecidas por seus entrevistados. É preciso impactar, saturar os sentidos com um sem número de ornamentos.
As imagens desafiam as expectativas mais baixas de qualquer cinéfilo. Quando não se apoia em entrevistas, Pozati apropria-se de uma sucessão de pequenas cenas genéricas, incluindo multidões caminhando na rua, ilustrações espaciais e animações de pontos luminosos no céu. O documentário parece ter extraído a totalidade de suas cenas de um banco de imagens qualquer, como se a edição colasse wallpapers encontrados no Google, Pinterest e afins. Para piorar, em determinado momento os slides começam a se repetir duas, três, quatro vezes, com as mesmas cabeças sobrepostas a planetas, os mesmos ectoplasmas dançando na tela. Tudo isso é soterrado por efeitos de galáxias sobrepostas e a trilha sonora ensurdecedora e ininterrupta.
No Meio de Nós deixa a perturbadora sensação de ser um filme feito apesar do cinema, um projeto em que as imagens constituem apenas um obstáculo a preencher durante a duração das entrevistas. Entretanto, o cinema nunca foi uma boa ferramenta para convencer, para apresentar fatos irrecusáveis, como pretende o filme. Seu caráter representativo faz com que tudo seja potencialmente mentiroso, fantasioso, já que a manipulação é parte inerente à linguagem: cortam-se cenas, editam-se sons, escolhem-se enquadramentos. Quando a imagem revela supostas provas irrefutáveis, com documentos do FBI e eletroencefalogramas, as cenas soam tão fictícias quanto em qualquer drama roteirizado com atores em frente às câmeras. A função do cinema não é de provar nada, e sim instigar os sentidos, despertar o debate pelo confronto entre sons e imagens, entre o real e sua representação.