Escritores da Liberdade genérico
por Rodrigo TorresO Melhor Professor da Minha Vida se inicia com um prólogo que confunde o público. É inevitável questionar seus título e todo material de divulgação quando François Foucault (Denis Podalydès), professor da escola mais tradicional e prestigiada de Paris, debocha dos alunos e faz comentários ácidos sobre sua (falta de) inteligência. Toda a sequência se desenrola com esse tipo de humor absurdo, que é muito engraçado, mas não possui a menor coesão com tudo que será apresentado a seguir: uma dramédia nada inspirada, porém séria sobre os problemas da educação na escola pública da periferia de um grande centro.
Isso porque François está longe de ser uma caricatura como o Professor Gilmar de Hermes e Renato. Logo após a introdução, reconhecemos no protagonista um homem elitista, arrogante, no entanto, sem nenhum vestígio daqueles rompantes de estupidez — no caso, até bem sensível, especialmente no trato das mulheres. Quando perguntado sobre o problema da educação nas regiões mais precárias da França, por exemplo, o personagem responde com lucidez, atribuindo-o à falta de experiência do corpo docente. Adulado pelo Ministério da Educação, e encantado pela beleza da mulher que o convida para o desafio, François aceita se mudar para uma escola no subúrbio de Paris, então aprendendo uma realidade bem diferente da que supunha com seu olhar distanciado da realidade do povo de baixa classe da capital francesa.
Assim que a premissa se estabelece, não fica claro se a discrepância entre o prólogo e o teor de todo o filme, que vai da comédia nonsense para um drama água com açúcar rapidamente, partiu da confiança do diretor e roteirista Olivier Ayache-Vidal de que o público não se importaria com tamanha falta de coerência (subestimar o espectador é ruim e quase sempre esconde uma autoindulgência), ou entenderia esse gap como uma licença poética. O fato é que ele destina o restante de O Melhor Professor da Minha Vida em um crescente de empatia do professor pela situação dos alunos que é brusco, previsível, tedioso, o que denota ingenuidade justo da parte do cineasta, em seu primeiro longa-metragem.
Desse modo, o roteiro não tarda em adotar uma postura excessivamente didática, o que transforma em ficção anódina um longa-metragem que propõe problemas reais da educação não apenas na França, como no Brasil e, certamente, outras partes do mundo. O close no rosto de uma jovem docente (Pauline Huruguen) que chora por conta da pressão dos alunos transforma a tomada no tipo mais óbvio da dramaturgia televisivo. Gaspard (Alexis Moncorgé) é o típico professor sem paciência, maturidade e compreensão da situação dos estudantes, sendo, assim, composto de um maniqueísmo que tira tanto seu peso dramático, como seu lugar na realidade.
Curiosamente, o objetivo de Olivier Ayache-Vidal é mesmo o de conferir realismo ao projeto. Que é todo rodado em locação, a câmera está constantemente na mão, a fotografia simples comunica naturalismo e, mais importante, o elenco é quase todo composto por não atores residentes da periferia. Esses aspectos técnicos, somados à sua história, evocam o principal problema de O Melhor Professor da Minha Vida: suas enormes semelhanças com Escritores da Liberdade. Eis o motivo do sentimento de déjà-vu constante em se assistir ao filme, provavelmente o mais fraco sobre o tema.
Apesar disso, a principal coincidência entre o exemplar americano e o genérico francês é a atuação do protagonista. Assim como a multipremiada Hilary Swank segura seu drama escolar com competência, Denis Podalydès é um artista consagrado na histórica companhia Comédie-Française, que prosperou pela via intelectual e pelo empenho após uma vida humilde, assim emprestando um talento dramatúrgico e um conhecimento de causa que se manifestam no profundo poder de observação do tipo que vive. Sempre que em cena, Podalydès se comporta como um seguidor do "Método" de Lee Strasberg e hipnotiza ao interpretar François como uma figura real, com seus próprios maneirismos, que se preocupa, convence nos vários momentos em que é retratado preso em seus pensamentos... Enfim, o ator representa com tocante dignidade o fraco texto de Ayache-Vidal.
Desse modo, além de elevar o nível das cenas em que atua com o estreante e apenas simpático Abdoulaye Diallo (Seydou), Denis Podalydès se comporta como o protagonista de "Os Miseráveis", Jean Valjean: François é um sujeito que ascende pessoal e socialmente com seu próprio trabalho, e crê que pode cumprir uma função em prol das pessoas necessitadas à sua volta. Olivier Ayache-Vidal ensaia traçar esse paralelo no filme, porém sem articulação narrativa ou desenvolvimento de personagem. O corte final de O Melhor Professor da Minha Vida só contempla a filosofia política do escritor Victor Hugo (ensinado em sala) no vigor com que Denis Podalydès interpreta François Truffaut. Um esforço criativo tremendo e solitário.