Tiro no pé
por Francisco RussoDesde o início, Meu Ex É um Espião tem um objetivo muito claro: satirizar o universo dos filmes de espionagem sem desmerecê-lo, de forma a adaptá-lo ao ambiente feminino. Tal proposta está escancarada desde o título original - The Spy Who Dumped Me, referência explícita a 007 - O Espião Que Me Amava - até a sequência de abertura, onde o tal espião do título em português surge em uma sucessão de cenas de ação típicas, com o devido cuidado para que não sejam excessivamente violentas. Ao longo do filme surgem referências não só à franquia Missão Impossível, do clássico "sua missão, se você aceitar..." até um certo espião de codinome Ethan, como à própria estrutura narrativa das desventuras de James Bond, sempre passeando mundo afora ao executar suas missões. Até a música-tema da Pantera Cor-de-Rosa, símbolo dos filmes do inspetor Clouseau, dá as caras.
Paralelamente, há também a intenção de tornar este filme um libelo feminino. Não por acaso, a direção (enfim) foi entregue a uma mulher e o protagonismo cabe às atrizes Mila Kunis e Kate McKinnon, legítimas outsiders do mundo da espionagem que precisam aprender, na marra, como sobreviver em meio a tiroteios e conspirações. Há também um esforço de roteiro em adaptar tal formato consagrado para o olhar feminino, seja pela desconexão inicial das novatas com o mundo da espionagem ou mesmo na inabalável amizade (e cumplicidade) existente entre elas. Ainda assim, em meio a tantas boas intenções, Meu Ex É um Espião não funciona. Em boa parte porque, no fim das contas, finge ser o que não é.
Por mais que a princípio defenda o empoderamento feminino em meio a um universo masculinizado, chama a atenção as repetidas vezes em que, na hora da decisão, um homem surge para salvá-las ou afastá-las do perigo - o café em Viena, o motorista de transporte alternativo e a sequência no ginásio são exemplos claros. Além disto, por mais que até dê o protagonismo às mulheres, a opção pela estranheza delas volta e meia resvala em situações tolas que ressaltam... a atração por homens. Assim é principalmente no relacionamento de Audrey (Mila Kunis, burocrática) com Sebastian (Sam Heughan, apenas um rostinho bonito em cena), da estranhíssima cena em que se conhecem até as repetidas vezes que cruzam ao longo da narrativa. Ou seja, a mocinha do filme a todo instante depende dos homens à sua volta, por mais que tal situação muitas vezes seja sutilmente maquiada pelo roteiro.
Entretanto, não é só ideologicamente que Meu Ex É um Espião é questionável. A partir de estereótipos batidos acerca da amizade feminina, o filme não só apela para piadas escatológicas como, também, entrega momentos sem qualquer timing cômico - toda a longa cena do carro com câmbio manual, por exemplo. Tal ausência de humor nas sequências envolvendo o elenco contrastam fortemente com a presença de Kate McKinnon, que com seu dom próprio a la Tatá Werneck até consegue arrancar alguns sorrisos. Ainda assim, à medida que o filme avança McKinnon fica sem rédeas, tornando-se muito mais uma estranha caricatura do que uma personagem bem desenvolvida. Ponto negativo para a diretora Susanna Fogel, que pouco a pouco desperdiça o que seu filme tem de melhor.
Preso ao formato esquemático dos filmes de espionagem, com suas habituais reviravoltas e viagens, o longa-metragem ainda se arrasta durante boa parte da metade final, soando interminável. De positivo, há algumas boas sacadas pontuais: da presença suntuosa de Gillian Anderson como chefe do MI6 à ginasta-vilã de passado abusivo, explorando com habilidade um clichê típico da Europa Oriental. Ainda assim, a coletânea de piadas ruins entregues pelo roteiro supera qualquer boa ideia que surja, aqui e ali. Bem decepcionante.