Capitalismo selvagem
por Francisco RussoEm 2009, o diretor Michael Moore lançou o pouquíssimo visto Capitalismo - Uma História de Amor. O título, extremamente sarcástico, se refere ao modo como ideais básicos nos Estados Unidos, previstos em sua Constituição, foram adaptados de forma que se possibilitasse um maior lucro. Por mais que não seja situado no mesmo país, Dead Donkeys Fear No Hyenas trata da mesma situação - só que, agora, envolvendo a Etiópia.
Mundialmente conhecida devido à crise humanitária ocorrida nos anos 1980, onde 400 mil foram mortas, a Etiópia ainda depende de ajuda externa para alimentar sua população - não na mesma proporção, felizmente. Diante de tal contexto, o documentário dirigido por Joakim Demmer apresenta uma surpreendente contradição: o país que ainda hoje possui parte de sua população faminta, é também exportadora de alimentos mais rentáveis, de olho no mercado externo. Como assim?
É a indignação a partir de tal situação que move este documentário, no melhor estilo filme-denúncia. Para tanto, Demmer e seus colaboradores iniciaram uma investigação pessoal seis anos antes, de forma não apenas a compreender o porquê de tal realidade mas também como impedi-la. Diante deste contexto, Dead Donkeys Fear No Hyenas na verdade funciona muito mais com a arma mais recente utilizada por este grupo, no sentido de dar publicidade a um caso clássico de capitalismo selvagem, onde o lucro está acima do fator humano. Se como denúncia ele até funciona a contento, como cinema traz algumas falhas consideráveis.
Bastante didático, o documentário apresenta com competência um panorama histórico sobre a expansão do agronegócio na Etiópia e o quanto ele está intimamente ligado à crise de três décadas atrás. Decidido a eliminar a pobreza, o governo local ofereceu a diversos investidores internacionais extensas áreas para plantação - em um dos casos apresentados, uma única empresa é dona de um terreno maior que toda a Alemanha! Só que estas, ao invés de resolveram o problema interno, passaram a usar tais áreas de olho no cada vez mais valorizado (e crescente) consumo externo. Mais ainda: a devastação de florestas nativas trouxe ao país problemas até então inexistentes, envolvendo o ecosistema local e ainda a expulsão de seus habitantes tradicionais, que passaram a integrar a já extensa fila de famintos. Ou seja, uma imensa bola de neve impulsionada pela ganância e potencializada pelas ameaças do governo local.
Se pelo lado investigativo o documentário funciona muito bem, com informações claras e contundentes sobre as mudanças causadas, é na segunda metade que ele derrapa. Na ânsia em dar voz aos excluídos, Demmer por vezes alonga demais tais depoimentos, tornando-os redundantes. Por mais que seja algo compreensível pela natureza deste documentário, uma edição mais rigorosa evitaria um certo cansaço que surge a partir do momento em que o embate migra para o campo do Banco Mundial.
Urgente pelo tema e bastante explicativo, Dead Donkeys Fear No Hyenas preza mais a divulgação de uma situação crítica do que propriamente em ser um grande filme. Mesmo com problemas, trata-se de um documentário bastante interessante que, assim como fez Michael Moore alguns anos atrás, denuncia o quanto questões econômicas sobrepõem interesses sociais, ao menos em uma parte relevante da nossa sociedade.
Filme visto no CPH:DOX, em março de 2017.