Como nasce um serial killer?
por Bruno CarmeloO letreiro inicial do filme húngaro avisa: a história foi baseada em fatos reais. Na Hungria, década de 1960, um homem assassinou uma série de mulheres e estuprou os cadáveres. Mas o que leva uma pessoa a cometer tais crimes? Pior ainda, o que teria feito com que um cidadão inocente confessasse os atos que não cometeu? De que maneira o verdadeiro culpado foi descoberto? Está lançada a base para uma superprodução de época, com reconstituição grandiosa de figurinos, objetos e cenários, além de dezenas de locações e personagens.
O projeto opera entre mistificação e desmistificação do caso. Por um lado, busca envolver o público no suspense com o máximo de recursos possível, incluindo trilha sonora amedrontadora, fotografia contrastada e distorções na imagem sugerindo loucura ou agressividade. Por outro lado, deseja tecer um comentário sobre o trabalho incompetente da polícia e sobre a masculinidade frágil dos assassinos de mulheres, geralmente motivados por sua própria impotência diante do sexo alheio.
Os fatos se desenvolvem em ritmo linear. Cartelas indicam a mudança de ano, planos próximos nas fachadas de prédio informam onde cada personagem se encontra. O diretor Árpád Sopsits preocupa-se em ser claro diante da complexidade dos fatos. Inicialmente, acompanhamos o ponto de vista do suposto criminoso. Em determinado ponto da narrativa, acreditando que segurou a dúvida do espectador por tempo suficiente, o roteiro simplesmente revela o verdadeiro responsável, e depois abandona ambos para se concentrar no novo investigador, belo, loiro e atlético, que renova os métodos de trabalho e resolve o caso. Ou seja, enquanto questiona a masculinidade do assassino, o filme reforça a virilidade típica do investigador-herói.
Estrangulado é repleto de indefinições como esta. Ora ele deseja mostrar mulheres independentes e nada frágeis, ora passa um tempo considerável filmando os cadáveres mortos, com destaque aos seios nus e a púbis exposta – incluindo a questionável imagem dos seios de uma criança. Por um lado, condena os ataques cruéis do assassino, por outro lado, demonstra pouco interesse nas vítimas, evitando desenvolver suas personalidades. O projeto deseja criticar os fetiches do sexo e do cinema de gênero enquanto reforça estes mesmos fetiches.
Ao menos, o resultado funciona como investigação da psicologia do protagonista. Diversas teses verossímeis são apresentadas para justificar o desenvolvimento de um assassino em série, interpretado de modo estereotipado por Károly Hajduk. O mesmo sucesso não se apresenta na explicação do fato pelo qual o falso acusado teria confessado o crime. Estrangulado deseja ser um blockbuster questionador, mantendo tanto as ferramentas que tornam o espectador passivo quanto os elementos de reflexão que o tornariam ativo. A confluência dos dois funciona mal, ou apenas parcialmente.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.