O frescor que a comédia romântica buscava
por Sarah LyraUm dos problemas enfrentados pelas comédias românticas, nos últimos anos, é que, por mais carismáticas que consigam ser, soam como repetições de produções já consagradas, como se a maior parte dos filmes do gênero reciclasse a mesma ideia exaustivamente em contextos diferentes. Por isso, é revigorante assistir a Casal Improvável, que, além de apostar na química de uma dupla cativante, tem sua força em um humor que transita entre os mais diversos níveis, desde a superficialidade da comédia escrachada até o riso a partir de comentários sociais mais aprofundados.
Na trama, Fred Flarsky (Seth Rogen) é um jornalista investigativo que se demite ao descobrir que o site para qual trabalha foi vendido para um grande conglomerado de mídia, liderado por Parker Wembley (Andy Serkis). Para se animar depois de perder o emprego, Fred vai a uma festa com seu amigo Lance (O'Shea Jackson Jr.) e acaba reencontrando sua antiga babá, Charlotte Field (Charlize Theron), que, atualmente, é Secretária de Estado americana e está prestes a concorrer à presidência. Cansada de ser assessorada por profissionais que não a conhecem, Charlotte decide contratar Fred para escrever seus discursos de campanha. A partir da reaproximação deles, um romance improvável surge e gera desconforto na equipe de Charlotte.
A riqueza das piadas de Casal Improvável é visível já na primeira cena do longa, quando o personagem de Seth Rogen é obrigado a tatuar uma suástica e, ao ser perguntado sobre a dor da agulha, sugere que a dor emocional, por se tratar de um símbolo extremamente racista, é muito maior do que a física. A partir da cena inicial, o longa dirigido por Jonathan Levine escancara de imediato não apenas o alto potencial para a comédia como também o seu engajamento com questões político-sociais em pauta no momento, como a ascensão dos movimentos de supremacia branca, machismo e homofobia.
Outra pauta que o filme não hesita em explorar são as fake news. Ao longo da campanha de Charlotte, acompanhamos a percepção da imprensa sobre a candidata, a partir de um programa jornalístico apresentado por dois homens machistas, que frequentemente distorcem os discursos públicos da Secretária e fazem piadas sobre as medidas de seu corpo, além de questionar sua capacidade de ocupar a presidência. Tudo isso em um cenário que se assemelha, tanto no tom dos comentários quanto na decoração do estúdio, ao do canal de TV americano Fox News.
O roteiro também não poupa críticas à política americana (com destaque para o diálogo entre Flarsky e Lance sobre religião e o Partido Republicano) e à própria indústria hollywoodiana, inserindo, em todos os três atos do filme, falas sobre estrelas de cinema terem mais prestígio do que a presidência. Uma manobra cuja eficácia se deve em grande parte à presença de Bob Odenkirk no elenco, que entrega sua costumeira competência na pele de um presidente americano prestes a abrir mão do cargo para investir na carreira como ator.
Em meio a tantos acertos, acaba soando um pouco infantil quando o roteiro sente a necessidade de incluir um humor que se baseia em Seth Rogen caindo de escadas e janelas ou tagarelando com seus habituais olhos arregalados. O mesmo pode ser dito da cena de ação que leva o casal a ficar confinado em um porão. Embora seja interessante ver a inversão de papéis (recurso muito usado no longa, inclusive) na cena em que, diante de uma situação de perigo, a mulher carrega um homem nas costas, a sequência não agrega muito à trama, funcionando apenas como um artifício pouco criativo para forçar uma situação em que o casal pudesse ficar a sós pela primeira vez.
Apesar das poucas derrapadas, Casal Improvável se mostra competente ao explorar a estrutura convencional das comédias românticas e, ao mesmo tempo, inovar nos caminhos que nos conduzem até os pontos de virada da trama, criando impasses bem elaborados e trazendo frescor a um gênero que clamava por renovação.