O tema dos refugiados na Europa – e na França em particular – continuam a render filmes para o cinema os quais retratam a sua difícil e, não rara, triste situação.
Abbas (Eriq Ebouaney, de Atentado em Paris) é um professor de língua francesa originário da República Centro-Africana que foi obrigado a fugir do país e ir para a França devido a guerra civil juntamente com seu filhos, Asma (a estreante Aalayna Lys) e Yacine (Ibrahim Burana Darboe, de Mes Herós), e seu irmão Etienne (Bibi Tanga, de Uma Doce Mentira). Durante a fuga sua esposa, Madeleine (Sandra Nkake, de Os Amantes do Café Flore) foi morta e o choque da perda aliado com as saudades faz com que Abbas tenha pesadelos constantes.
Em Paris, Abbas tenta estabelecer-se, recomeçar a vida trabalhando como feirante e mora em um pequeno apartamento com suas crianças. Já Etienne arruma emprego como segurança e mora em um barraco. Abbas conhece, apaixona-se e relaciona-se com a também feirante Carol (Sandrine Bonnaire, de Amor e Guerra). Um dia, Abbas recebe a notícia que seu pedido de asilo foi negado e tem 30 dias para deixar a França ou será formalmente deportado.
Não é de hoje que a Europa, principalmente os países que possuíam colônias tais como Inglaterra, França, Alemanha, Portugal e Espanha; recebem imigrantes em busca de uma nova vida do quais se destacam aqueles dos antigos territórios colonizados – ou, usando um antiga expressão, do “Ultramar”.
Nos últimos dez anos, porém, com a eclosão de guerras civis em diversas nações da África e do Oriente Médio (com triste destaque para a Síria), esse fluxo migratório aumentou muito pois os imigrantes também tornaram-se refugiados.
Normalmente ser um refugiado em qualquer país do mundo não é mole e tornou-se ainda pior na Europa com a crise financeira – também chamada de “Eurocrise” – que vem a assolar o continente nesse mesmo período.
Como resultado, além do aumento de imigrantes-refugiados, que chegam desesperados em busca de segurança, há o renascimento de movimentos e partidos de extrema-direita tal como a odiosa Frente Nacional (FN), criada pelo infame político francês Jean-Marie Le Pen e, hoje, liderada por sua filha, a não menos infame Marine Le Pen – que, recentemente, foi candidata nas eleições presidenciais tendo sido derrotada no segundo turno pelo atual chefe de Estado, Emmanuel Macron.
Uma Temporada na França segue a atual tendência da indústria cinematográfica francesa de produção e lançamento de filmes que tem como tema os imigrantes-refugiados que chegam ao país. Temos como exemplos os filmes Samba (2015) e Château-Paris (2017). Até onde tenho conhecimento, a França parece ser mesmo pioneira nessa tendência de filmes.
Uma Temporada na França também retoma uma tradição iniciada nos EUA, na década de 1970: a de filmes produzidos, dirigidos e interpretados por negros, que ficaram conhecidos como Blaxploitation (sobre os quais Panorama do Cinema pretende falar futuramente). Além de Uma Temporada, podemos citar como exemplo o já citado Château-Paris e o arrasa-quarteirão estadunidense Pantera Negra (2018).
Parafraseando a escritora britânica Jane Austen (1775-1817), há muita razão e sensibilidade em convocar para o elenco e/ou direção profissionais de ascendência africana e de outros continentes ou então originários desses locais que estão radicados na França para realizar os filmes sobre os imigrantes-refugiados. Dentre outros nomes dessa nova geração pode-se citar o de Jacky Ido (Bastardos Inglórios), e aquele que é considerado atualmente um dos maiores atores franceses, Omar Sy (Intocáveis), o primeiro negro a conquistar o prêmio César (versão francesa do Oscar) de Melhor Ator. Entre os cineastas, podemos citar justamente o diretor de Uma Temporada na França, Mahamat-Saleh Haroun (Abouna – Nosso Pai).
Nascido no Chade, Haroun, que também é o autor do roteiro, está bem a par da premissa que guia o filme. Ele executa um bom trabalho de direção, principalmente quanto ao elenco. Entretanto, falha por falta de emoção em algumas cenas que, embora bem dirigidas, são cruciais para a trama como, por exemplo, na cena de Etienne no escritório de imigração. E Haroun também impôs um ritmo por vezes muito arrastado, o que entedia a platéia.
Por outro lado, mostra com precisão o cotidiano dos imigrantes-refugiados que, mesmo sendo muito bem qualificados, são obrigados, em nome da sobrevivência, a submeterem-se a sub-empregos que não condizem com a sua formação e a situações humilhantes.
Eriq Ebouaney é um ator muito pouco conhecido no Brasil pelo grande público, mas possui uma longa carreira com mais de 100 filmes realizados. Em 2000, tornou-se internacionalmente conhecido ao atuar no filme Lumumba, do cineasta haitiano Raoul Peck, de O Jovem Karl Marx (2017), no qual interpretou o primeiro-ministro do Congo, Patrice Lumumba (1925-1961).
Ebouaney tem uma ótima, sensível e comovente atuação como o imigrante-refugiado que tem, simultaneamente, que sobreviver, criar os filhos, superar a perda da esposa morta, suportar o preconceito por ser um refugiado africano negro e muçulmano, e relacionar-se com um novo amor. Uma grande performance de um grande ator.
No mesmo nível de Eriq está Sandrine Bonnaire. Atriz vencedora do César e cineasta igualmente talentosa, Sandrine faz de Carol uma personagem igualmente sensível, terna e que ama Abbas com paixão e sinceridade e pronta para fazer tudo por ele, inclusive enfrentar a polícia de imigração.
É interessante notar que, embora a Europa receba imigrantes há várias décadas, relacionamentos e relações interraciais é algo ainda relativamente novo no continente e que faz a extrema-direita local espumar de ódio.
O músico centro-africano Bibi Tanga surpreende em sua atuação como Etienne, o irmão cool de Abbas que acaba também por sentir muito a pressão pela extradição, o que afeta seu relacionamento com Martine (Léonie Simaga, de Jovem Mulher), além da perda de moradia que o faz cometer um ato extremo.
As crianças Aalayna e Ibrahim estão igualmente bem, sendo que o personagem de Ibrahim, Yacine, é o narrador da história e Aalayna é uma revelação que pode desenvolver-se propriamente se tiver uma carreira bem trabalhada.
A fotografia de Mathieu Giombini (da série Terra Mater) não se limitou apenas a mostrar os conhecidos cartões postais de Paris, mas também dos bairros populares e industriais da cidade-luz que, a seu modo, também tem sua beleza.
O compositor senegalês Wasis Diop é um velho conhecido de Mahamat-Saleh Haroun, tendo já trabalhado com o diretor em Um Homem que Grita (2010). A trilha sonora que compôs para o filme com sons africanos somados aos europeus dão uma sonoridade muito atual.
Apesar das falta de emoção em cenas importantes e do ritmo um pouco lento, Uma Temporada na França cumpre o seu papel de mostrar a vida dos imigrantes-refugiados que se dirigem à Europa em busca de salvação, de um recomeço e, em alguns casos, de redenção. E nesta época na qual vivemos agora, na qual extremismos, preconceitos e ódios de todos os tipos proliferam ao nosso redor sendo considerados como ferramentas para a solução de problemas, o filme é um registro, uma denúncia e uma chamada para a difícil, triste e comovente situação das pessoas que são vítimas dessas ferramentas.