Pessoas invisíveis
por Bruno CarmeloEste drama começa com um pesadelo, no sentido literal do termo, e termina com um pesadelo metafórico. Na cena inicial, o centro-africano Abbas (Eriq Ebouaney) acorda transpirando, acreditando ver o fantasma da esposa morta. Ele se encontra na França, mas o país de origem não o abandona, e logo transparece nas músicas, na língua e na condição de estrangeiro. Rumo ao final, o pesadelo se concretiza por vias estruturais: as oportunidades de trabalho são raras, o acesso a um apartamento para si mesmo e para os dois filhos se torna cada vez mais difícil, e as demandas de asilo político são constantemente negadas pelo governo francês.
Uma Temporada na França busca equilibrar o tom amargo do declínio de Abbas com o tom ensolarado das imagens e o afeto visível em cada imagem, tanto de Abbas com a namorada Carole (Sandrine Bonnaire) quanto do protagonista com os dois filhos. Quando os pequenos reclamam das falas promessas do pai imigrante (“Você disse que a gente não teria que se mudar de novo!”), este desconversa, faz um carinho e pedem para dormir. Como contestar, afinal? O diretor chadiano Mahamat-Saleh Haroun observa a situação dos refugiados com evidente empatia, apesar de uma perene melancolia.
O cineasta demonstra excelente atenção aos detalhes. Quando vemos o irmão de Abbas, Etienne (Bibi Tanga) tomando banho nas duchas públicas reservadas aos moradores de rua, a câmera acompanha o fluxo das pessoas pelo ritmo do rodo do faxineiro local, puxando a água em direção ao ralo. Quando Carole comemora o seu aniversário, a câmera passeia pelas ruas vazias e frias antes de chegar ao apartamento e revelar a solidão da personagem. O roteiro se inicia quando as relações já estão estabelecidas (o namoro acontece há tempos, os pedidos de residência na França foram feitos e negados), acreditando na inteligência do público para compreender sozinho os laços entre os personagens e o peso do passado ausente em imagens.
No entanto, para cada duas cenas cuidadosamente retratadas, uma cena menos inspirada prejudica o ritmo. Os diálogos com as crianças soam artificiais, incluindo frases excessivamente escritas, a exemplo dos discursos políticos (“Nosso país não existe mais. Toda a África é uma ficção.”). A vertente íntima do início se torna espetacular rumo ao final, quando o drama se converte em tragédia. A câmera às vezes se aproxima demais dos personagens, como se tivesse medo de perder alguma palavra, ou aposta em recursos lúdicos questionáveis – uma borboleta em animação pousando sobre a lápide.
Mesmo assim, Uma Temporada na França traz um retrato atípico da crise de refugiados. Recusando a denúncia militante e evitando pensar Abbas como representante de toda a África, trata de tornar seu caso especial, íntimo, com contornos psicológicos aprofundados – vide a crise da virilidade de Abbas e Etienne com suas namoradas. Este é um filme que pretende ser otimista, apenas para chegar à conclusão de que não dispõe de elementos suficientes para tal. Haroun constrói uma triste reflexão sobre a invisibilidade dos africanos na Europa.