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    Animais
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Animais

    A realidade não importa

    por Bruno Carmelo

    Uma bela mulher olha para fora da janela de seu apartamento. Ela sobe no parapeito e se joga. Barulho de um corpo se chocando com o chão. Mas talvez não tenha se suicidado realmente: quando a câmera baixa para a calçada, em plano-sequência, não existe corpo nenhum. Anna (Birgit Minichmayr) sofre um acidente de carro quando um veado para no meio da estrada. Ela vai ao hospital e recebe alta no dia seguinte. Mas talvez tenha sido mais tempo do que isso: segundo o marido, ela ficou duas semanas hospitalizada. O próprio marido, Nick (Philipp Hochmair) conversa com a sua esposa, sentada à sua frente, até que uma voz o chama no quarto ao lado. É a voz da esposa. Quando ele se vira, também em plano-sequência, a mulher se encontra no outro cômodo.

    Animais brinca com a percepção do espectador. Partindo de uma crise conjugal clássica – esposa planeja um fim de semana romântico com o marido infiel, na intenção de reconquistá-lo – o roteiro começa a explorar distorções da realidade, sejam temporais, espaciais, visuais, auditivas. Existem muitos animais mortos, pessoas segurando facas na mão, acidentes de carro, traições concretas e imaginárias. Todos os personagens correm risco de morte, a não ser que já estejam mortos, ou que nenhum dos fatos tenha realmente acontecido, caso as cenas representem o longo pesadelo de alguém.

    O diretor Greg Zglinski demonstra bom conhecimento da construção do suspense, explorando os ruídos, a trilha sonora, os planos contínuos. As imagens são suficientemente elegantes para despistar a sensação de terror trash à espreita. Os atores principais também conseguem construir personagens ambíguos, cujas expressões poderiam ser lidas ao mesmo tempo como agressivas ou sofredoras, dependendo da interpretação. Para o espectador que gosta de ser manipulado, testado quanto ao seu conhecimento e poder de dedução, o filme constitui um jogo instigante.

    No entanto, a saturação de elementos começa a operar contra a coerência do projeto. Animais deseja conjugar o drama de identidades trocadas com o pavor de uma casa mal-assombrada, a possibilidade de assassinato entre marido e esposa, o ataque iminente de animais selvagens e mesmo a aparição de um gato falante, com sugestões aos personagens. O humor involuntário não se encontra muito longe: em qual ponto a simbologia para de ser sugestiva para se tornar explícita demais, excessiva, mesmo ridícula? Onde se mede a suspensão da descrença, a impressão de verossimilhança?

    Zglinski demonstra evidente prazer em conduzir seu público, sem necessariamente ter um destino em mente. O projeto vale pela viagem, mas no final, decepciona pela sensação de aleatoriedade – com tantas releituras de cenas e repetições, tudo pode acontecer – e de vazio, já que a montagem não amarra as suas pontas rumo à conclusão. O filme deseja embaralhar as peças, mas a montagem do quebra-cabeça fica por conta do espectador. É possível que não haja peças suficientes, que haja peças em excesso, ou que elas jamais formem uma imagem coerente no final das contas.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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