A morte pelos olhos das crianças
por Bruno CarmeloPara quem vê de fora, a vida da pequena Frida (Laia Artigas) é uma tragédia: a garota já perdeu o pai e acaba de perder a mãe, vítima de AIDS. Ela é obrigada a se mudar de Barcelona para uma cidade no campo, junto dos tios e da prima mais nova. No entanto, estamos longe do registro lacrimoso. A diretora Carla Simón prefere apresentar a história pelos olhos da própria criança. Como ela não compreende muito bem o que se passa ao redor, o espectador também imerge numa sensação de incerteza, mais do que tristeza.
A cineasta ousa colar a câmera ao rosto de sua atriz mirim durante 90% do tempo. Quando não estamos observando a expressão da garota, estamos vendo o mundo por seus olhos, em câmera subjetiva. Talvez Simón tenha se permitido essa abordagem devido à descoberta da impressionante Laia Artigas, uma garotinha capaz de sustentar sozinha cenas de grande complexidade emocional. Com seus olhos expressivos e feições maduras para a idade, ela lembra Ana Torrent, estrela mirim de O Espírito da Colmeia (1973) e Cría Cuervos (1976), dois clássicos espanhóis que certamente serviram de referência para a obra catalã.
O maior trunfo de Verão 1993 é a impressão de intimidade e realismo. A câmera consegue estar muito perto dos personagens e parecer ao mesmo tempo invisível, como se não interviesse naquele meio. A belíssima fotografia, com seus enquadramentos móveis e luzes naturais, faz o espectador se sentir como um novo membro da família, acompanhando atentivamente as metáforas mais simples. A atenção aos detalhes é primorosa: as cenas singelas de goteiras pingando, de couves colhidas na horta e do encontro com a joaninha funcionam para construir os personagens, explicar sua personalidade e seus conflitos internos.
O roteiro se sai muito bem na construção psicológica de Frida, dos tios e da prima. O carinho evidente da família é desgastado pelas provocações constantes da garota, e mesmo a protagonista oscila entre a regressão ao comportamento de uma criança menor, para imitar a prima – ela não quer amarrar os próprios sapatos – a instantes em que deseja ser adulta, autônoma – quando planeja sua fuga. O filme permite que as duas crianças tenham atitudes surpreendentes, talvez inexplicáveis, como convém à lógica particular de meninas desta idade. Enquanto Frida deposita cigarros ao lado de uma santa ou imita a mãe morta, a câmera acompanha seus gestos num olhar cúmplice.
No entanto, talvez falte a Verão 1993 um senso maior de gravidade. Por lidar com temas da morte e do HIV, o espectador poderia esperar metáforas um pouco mais incisivas, mas Simón prefere manter o perigo num horizonte distante: as agressões de Frida à prima pequena se resolvem de modo rápido, inconsequente. Os principais filmes que colocam crianças diante da morte, como os já citados Cría Cuervos e O Espírito da Colmeia, além de O Pântano (2001) e Corpo Celeste (2011), abordam o tema de modo frontal, com direito a cenas cruéis de experiências infantis sobre a perenidade das coisas. O filme catalão prefere se focar no complexo trabalho de luto, resultando numa cena final importantíssima e eficaz, embora menos naturalista do que as demais interações familiares.
Filme visto no X Janela Internacional de Cinema do Recife, em outubro de 2017.