A espera
por Taiani MendesUma das escritoras mais proeminentes do século XX, Marguerite Duras teve uma relação íntima com o cinema, dirigindo (India Song), roteirizando (Hiroshima, Meu Amor) e sendo adaptada (O Amante). Alguns dos textos são autobiográficos, mas raramente Duras foi retratada com seu próprio nome nas telas, como é o caso desse Memórias da Dor - que tem nisso inclusive seu charme quase exclusivo.
Do diretor Emmanuel Finkiel (Não Sou um Canalha), o contido drama se baseia no romance A Dor para mostrá-la em um momento duro, sofrendo pela prisão do marido na França ocupada por alemães na Segunda Guerra Mundial. Vivida com entrega por convincente Melanie Thierry, Duras vaga ao longo de 1944 e 1945 à procura de informações sobre o paradeiro de seu companheiro Robert, como ela membro da Resistência. É ele quem ocupa os pensamentos e orienta as ações da autora, pouco flagrada escrevendo, mas sempre lendo o mundo à sua maneira excepcional.
Finkiel usa o texto de Duras em narração sempre bem colocada e se aproxima de sua inconvencionalidade apresentando o drama de forma não-linear, investindo em muito desfoque, manipulações sonoras e unindo as Marguerites do passado e do presente num mesmo plano, como a observadora e a observada, resguardando a distância do - supostamente floreado - relato em primeira pessoa, publicado 30 anos após os acontecimentos.
Com trilha sonora que coloca rascantes violinos em evidência e predominância de planos fechados, o arrastado Memórias da Dor num primeiro momento é embalado pela cuidadosa recriação do período histórico, mas não mostra a que veio dramaticamente em virtude da abordagem inconsistente da controversa aproximação de Marguerite com o oficial da Gestapo Pierre Rabier (Benoît Magimel, cada vez mais Gerard Depardieu). Desenvolvida de forma apressada, a insossa relação revela-se um contrapeso que impedia o filme de encontrar o impacto das palavras da pensadora quando é finalmente deixada de lado.
Talvez seja tarde demais, mas ao menos o ato final é potente, impulsionado por um "desligamento" ainda mais radical da protagonista para com o que se dá ao seu redor e pelo surgimento de Madame Katz (Shulamit Adar), personagem de participação pequena e arrasadora, que entra em cena para possibilitar que o pesar inerente aos tempos de guerra enfim supere a frieza intelectual até então dominante e especialmente irritante a cada aparição de Dionys (um pouco expressivo Benjamin Biolay).
O aumento do desespero da escritora dá liberdade para que o cineasta vá ainda mais longe na exploração de repetições e delírios, como que uma sequência de pesadelos, inspirado no experimentalismo característico de alguns trabalhos da francesa (na verdade nascida em Saigon, então colônia do país europeu) e de acordo com a falta de clareza do que é autobiografia e do que é ficção em A Dor. Se há algo regular do início ao fim no longa-metragem, no entanto, é Thierry, a cada passagem de tempo mais fragilizada, porém sem perder a firmeza de Marguerite Duras.
Filme visto no 20º Festival do Rio, em novembro de 2018.