A ganância é pop
por Bruno CarmeloNa China contemporânea, uma maleta contendo um milhão de yuans, destinada a altos membros da máfia local, é roubada por um jovem sem experiência no crime. A intenção do ladrão é parcialmente nobre, parcialmente fútil: ele quer dar à noiva uma nova cirurgia plástica, após uma primeira intervenção cirúrgica que não teria agradado à futura esposa. O inocente Xiao Zhang deseja melhorar a aparência dela, visando a festa de casamento.
Esta é talvez a justificativa mais humana da animação chinesa dirigida por Liu Jian. As outras dezenas de pessoas que se apropriam da maleta roubada não hesitam em matar, torturar, chantagear etc., na intenção de garantir o conforto financeiro. O cineasta faz questão de apresentar a história pelo ponto de vista da miséria, mostrando cenas de pedintes nas ruas e lugares abandonados. Estamos portanto em cenário de crise, no qual o dinheiro providencial faz com que os personagens abandonem qualquer conduta ética – e sejam portanto perdoados, mesmo que parcialmente, pelo ato desesperado do roubo.
Have a Nice Day se anuncia como uma paródia da crise, ou ao menos uma crítica à ganância desenfreada dos dias atuais. No entanto, o faz pela via mais óbvia possível: a constatação de que o dinheiro corrompe as pessoas, de que o sistema está fracassado e as pessoas estão condenadas à barbárie. É o tipo de fatalismo simples, incapaz de analisar causas ou possíveis soluções do conflito. Para piorar a visão de mundo rasteira, o cineasta salpica a trama de referências pop para tornar a matança muito mais divertida. Os sucessivos roubos do dinheiro são somados a citações de Steve Jobs e Donald Trump, enquanto um cachorro urina da na cara de um homem na rua.
Esta é uma estética do vale-tudo, acumulando acenos à contemporaneidade sem qualquer forma de distanciamento crítico. É fácil citar Trump para extrair algumas risadas – algo que funcionou na exibição à imprensa internacional -, difícill seria utilizar estas referências de modo que contribuam à narrativa, e não se tornem meros gadgets visuais para a identificação do público. De modo geral, o filme explora este recurso para tornar a carnificina mais palatável, destacando cartazes de celebridades nas paredes e outros recursos de fácil acesso.
No que diz respeito às técnicas de animação, Have a Nice Day traz um trabalho simples, de traços pouco criativos e um tanto “sujos”, para combinar com a sordidez dos personagens em cena. O estilo se aproxima do pop mais cartunesco, completando a ideia de uma matança descerebrada, de ritmo deficiente e reflexão inexistente sobre o seu próprio conteúdo. É incompreensível que um filme tão fraco integre a seleção mais prestigiosa do festival de Berlim.
Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.