Vidas cruzadas
por Francisco RussoNão se engane pela literalidade do desengonçado título nacional de Quando Margot Encontra Margot, que abandona por completo o lirismo do original "La Belle et la Belle". A partir de um inusitado encontro, a diretora (e roteirista) Sophie Fillières elabora uma delicada teia implícita entre duas mulheres, com décadas de idade entre elas, de forma a torná-las cúmplices de uma forma bem inusitada. No fim das contas, é desta sutileza que nasce a beleza do filme.
A proposta original é de uma simplicidade que beira a ousadia: em uma típica festa de jovens, duas mulheres se encontram em momentos distintos de vida, uma deixando a adolescência rumo à vida adulta e outra já próxima à terceira idade. A partir de uma mera conversa de banheiro, descobrem não apenas que se chamam Margot - ou Margaux, como o filme ressalta - como que dividem a mesma vida, uma no passado e outra no futuro se encontrando no presente. Simples assim.
Ao contrário do habitual em filmes que lidam com viagens no tempo, Fillières não se importa em justificar o porquê do ocorrido, ele simplesmente acontece. A partir de tal surpresa, pouco a pouco se constrói um relacionamento entre as tais mulheres que vai além da mera curiosidade, seja em saber o que vai lhe acontecer ou mesmo impedir a repetição de erros que causaram dor. Há entre elas uma sintonia que vai além da divisão de uma mesma vida, como se uma dependesse da outra para coexistir, mesmo que tal situação seja incoerente para o futuro a ser construído por ambas. Além disto, Quando Margot Encontra Margot envereda para uma sutil e interessante defesa do poliamor, a partir de um mesmo homem com o qual se envolveram/envolvem/envolverão. Confuso? Nem tanto.
Se conceitualmente a existência em linhas temporais distintas provoca certos choques lógicos, aqui tal condução é feita com tamanha displicência que torna a história destas duas mulheres envolvente, mesmo que para tanto o filme carregue problemas de ritmo. Para tanto, é essencial a química entre Agathe Bonitzer (a jovem) e Sandrine Kiberlain (a adulta), não apenas para que combinem em trejeitos e posturas mas também para que evidenciem tão claramente os momentos de vida de Margot. Se Sandrine carrega consigo um semblante resignado ao que a vida lhe entregou, Agathe oferece uma Margot entediada com a vida, que usa o sexo para ocupar um cotidiano vazio. A insatisfação de ambas também as aproxima, despertando uma interessante questão sobre o quão (e se) é possível estar satisfeito com seu momento de vida. Seria tal postura também culpada da impossibilidade do gozo pleno?
Isto, Quando Margot Encontra Margot não responde. Mais interessada no fascínio causado pelo encontro de suas personagens, a diretora/roteirista sem qualquer pudor abre mão de um maior desenvolvimento da história, o que por vezes incomoda pela sensação de que nada, de fato, acontece. Mais uma vez, o filme engana: é no não-dito que tudo existe, em uma ambientação absolutamente naturalista que transita ora por Paris ora por Bordeaux. Um filme bastante interessante, pela engenhosidade na construção de duas personagens que no fundo são uma só, explorando um tema tão batido como é a viagem no tempo, sem no entanto recorrer a clichês.