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    Antes do Fim
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Antes do Fim

    As imagens também morrem

    por Bruno Carmelo

    Talvez as imagens sejam como estrelas: o seu brilho indica o belo reflexo de um referente que já morreu. Toda a imagem seria um espectro, a cristalização de uma realidade que jamais se reproduzirá da mesma maneira. Com o perdão da liberdade poética, este seria um dos temas centrais de Antes do Fim, obra hipnótica de Cristiano Burlan que confronta Jean-Claude BernardetHelena Ignez à morte de si mesmos e de suas imagens no cinema nacional.

    A magnífica cena de abertura ilustra este conceito: fora de quadro, os atores observam as figuras distantes de um homem e uma mulher caminhando na praia. “Todo filme tem um homem e uma mulher”, lembram. A dupla começa a imaginar o que estariam dizendo um ao outro, se as trocas representariam paixão, abandono, desprezo. A trilha sonora se transforma, conferindo ao mesmo referencial uma sensação totalmente nova, da alegria à tristeza. Não existe verdade em relação às figuras na praia: elas podem ser tudo o que se imaginar. Aquele instante pode representar “a imagem da felicidade”, como diria Chris Marker em Sem Sol, ou seu exato oposto.

    Burlan tem explorado, em seus últimos trabalhos, a atuação como performance, necessariamente ligada à persona dos próprios atores. Aqui, a convergência entre ficção e realidade opera de modo mais sensível e doloroso: Jean-Claude Bernardet, aos 81 anos de idade, interpreta um homem pensando em cometer suicídio para evitar a decadência do corpo e do espírito, preservando assim a imagem positiva de si mesmo. Helena Ignez, de 75 anos de idade, começa a planejar sua vida sem ele, acumulando livros e lembranças. O confronto dos atores idosos à mortalidade poderia constituir uma postura sádica se o filme não fosse tão afetuoso e cúmplice, criado em evidente colaboração com o elenco.

    O diretor oferece, portanto, um ensaio sobre a transitoriedade das coisas. Jean – os personagens têm os nomes dos atores – imagina o que aconteceria se fosse substituído por seu reflexo no espelho, ou seja, se a representação de si adquirisse maior relevância no mundo do que sua existência. Helena lê um livro na cama, mas compartilha com o espectador a história de outro livro, no qual se discute o desaparecimento. O rosto da atriz é intercalado com imagens de seus trabalhos no cinema marginal, quando uma de suas jovens personagens gritava: “Tenho pavor da velhice”. A montagem retorna ao rosto atual. Tudo está dito num corte, num instante de silêncio. Antes do Fim é construído através do contraste brutal entre o efêmero e o permanente, a aparência e a essência, o mundo e a representação artística do mesmo.

    O filme poderia ser lido de diversas outras formas, por ângulos históricos, psicanalíticos, estéticos, de gênero. A riqueza das imagens e a precisão da montagem são tamanhas que seria impossível esgotar os significados num único texto, após uma única sessão. Com Antes do Fim, Burlan realiza o seu Ano Passado em Marienbad. Trata-se de uma obra labiríntica, hermética demais ao público médio, mas apaixonada pelos questionamentos mais importantes do cinema. Uma obra capaz de conjugar amores – pela arte, pelos humanos – e um perturbador convite à reflexão sobre nossa frágil existência. Memento mori: lembra-te que morrerás.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017. 

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