Prazeres simples
por Bruno CarmeloA protagonista desta comédia dramática é uma atriz sul-coreana, Younghee (Kim Min-hee), que se envolve com um homem casado e decide dar uma pausa na carreira após ter a vida exposta. A premissa seria suficiente para um filme sobre o mundo sórdido do espetáculo, mas o diretor Hong Sangsoo posiciona o espectador nos bastidores, na ressaca dos fatos: nunca vemos Younghee atuando, jamais conhecemos o homem casado. Tudo o que sabemos sobre os personagens vem de suas confissões e lembranças, ou seja, nosso conhecimento do mundo em On the Beach at Night Alone é questionável, por provir de fontes que só contam o seu lado da história.
O cineasta tem plena consciência deste dispositivo em voz indireta, e efetua um filme de simplicidade impressionante. Isso não é uma novidade na carreira do cineasta, mas o projeto busca uma fórmula ainda mais minimalista do que em A Visitante Francesa (2012) e HaHaHa (2010), por exemplo. É como se ele estivesse testando os limites de sua estética, buscando o limite do funcionamento desta forma de comunicação. Esse tipo de experiência é comum em autores com um traço pessoal muito marcado, por ficarem presos entre as necessidades contraditórias de não se repetirem e de permanecerem fiéis ao estilo consagrado.
O projeto traz longas cenas de Younghee conversando com os amigos em terraços de apartamentos, restaurantes ou praças da cidade. Os planos fixos acompanham os diálogos durante vários minutos, evitando qualquer trilha sonora ou estetismo por parte da fotografia. O que diferencia este trabalho tão simples do amadorismo é o controle absoluto do roteiro e do propósito da protagonista dentro da trama. Cada nova cena apresenta um traço suplementar da personalidade da protagonista, enquanto a montagem equilibra conversas melancólicas com outras mais coléricas, animadas pelo álcool. O cineasta sempre acreditou que a verdade sai da boca dos bêbados.
Em virtude da linearidade e do tom monocórdio, qualquer curva na trajetória causa o impacto de um tornado. As cenas em que Younghee se ajoelha no meio de um parque, por motivos ainda desconhecidos do espectador, e quando começa a entoar uma bela canção a capela na hora de fumar um cigarro trazem um novo fôlego à narrativa, conduzindo-a para longe do perigo do entediar o público. Sangsoo consegue dosar muito bem o humor simples e as variações de sua protagonista – Kim Min-hee está espetacular nesse papel – para trazer uma série de nuances de tom dentro de uma estética imóvel.
É difícil dizer o que On the Beach at Night Alone traria de particularmente relevante sobre as relações humanas? Na ausência da busca pelo ineditismo, sobra ao diretor a construção de uma forma incomum de pureza e transparência. Não existem significados ocultos, alusões ou subentendidos: todo o acesso aos personagens e às imagens é efetuado de maneira imediata, mecânica. Nesta relação de humildade em relação ao público e de controle narrativo por parte do diretor se encontra o valor raro do filme.
Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.