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    Antes que Tudo Desapareça
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Antes que Tudo Desapareça

    Uma discreta invasão alienígena

    por Bruno Carmelo

    “Vou te contar um segredo. Nós estamos invadindo a Terra”. Esta afirmação é feita não por um ser esverdeado a bordo de uma nave espacial, e sim por um adolescente japonês. Em Antes que Tudo Desapareça, o planeta será tomado, mas aos poucos: os invasores são apenas três, que se perderam um do outro quando chegaram ao Japão. Eles possuem a aparência de humanos comuns, por terem tomado o corpo de habitantes locais, e não pretendem despertar uma guerra imediata. Pelo contrário, a intenção é conhecer a espécie humana para facilitar a aniquilação futura. Assim, os pesquisadores alienígenas vagam pelas ruas de Tóquio buscando o significado de palavras como “amor”, “posse” e “trabalho”.

    Felizmente, a premissa absurda não é levada demasiadamente a sério pelo diretor Kiyoshi Kurosawa. O aspecto de farsa permeia toda a narrativa, especialmente no encontro dos humanos “possuídos” com seus colegas e familiares. Como na maioria das ficções científicas, a figura não humana é usada para refletir os limites da humanidade: quando uma pessoa perde o sentido da palavra “posse” (porque o conceito foi roubado pelos invasores), ela não deseja mais partir em guerra, quando ela perde a noção de “trabalho”, resgata uma personalidade anárquica e infantil. Usa-se o outro, na verdade, para discursar sobre nós mesmos, especialmente a falência da família e do capitalismo.

    O grande desafio para o cineasta é combinar uma quantidade tão grande de gêneros. A primeira cena, sangrenta e repleta de cadáveres, é típica dos filmes de terror, mas cede espaço a momentos de ficção científica, cenas grandiosas de ação, humor físico jocoso e instantes de melodrama. Kurosawa se sai bem na maior parte do tempo. Embora seja fácil preferir um registro a outro - a maior parte da crítica se dedicou a apontar qual gênero funciona, e qual não - ao menos a narrativa amarra todas as suas pontas, oferecendo uma trama consistente através da exploração solitária de cada um dos invasores, destinados a se reencontrarem eventualmente.

    Para os atores, o terreno se revela bastante fértil: na pele de humanos tomados por aliens, Ryuhei MatsudaYuri TsunematsuMahiro Takasugi oferecem construções muito distintas, o primeiro com apatia quase catatônica, a segunda em agressividade extrema e o terceiro num tom próximo ao melodrama. Esta combinação de estilos serve para desenvolver um ritmo e uma textura narrativa muito particular - é um tanto difícil prever para onde vai a história de Antes que Tudo Desapareça, e de que modo Kurosawa combinará imageticamente tantos elementos. Em se tratando de gêneros carentes de experiências, isso é um bom sinal.

    Talvez o resultado se assemelhe mais a um exercício de estilo do que verdadeiramente uma discussão profunda sobre as virtudes decadentes da humanidade. Mesmo assim, o projeto demonstra um vigor narrativo e formal digno de nota, tanto para o cinema de gênero quanto para o cinema comercial de modo mais amplo. Kurosawa assume grandes riscos - o de parecer ridículo, incoerente, confuso - mas acredita em suas escolhas e explora-as sem concessões. O saldo, com seus prós e contras, é um filme capaz de oferecer um olhar único a motivos clássicos do cinema fantástico.

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