Experimentações
por Francisco RussoAo longo de sua carreira como curta-metragista, Leonardo Mouramateus ficou conhecido pelas experimentações narrativas, de todo tipo. Seus curtas nunca seguem o mesmo estilo, sempre buscam algo diferente em relação à forma de contar uma história - A Festa e os Cães que o diga, com a apresentação da trama a partir de fotografias. Em António Um Dois Três, seu primeiro longa-metragem, o diretor apresenta a mesma inquietação estética e narrativa ao optar por rumos por vezes surpreendentes que, nem sempre, funcionam a contento.
Logo de início, o espectador é surpreendido pelo formato de tela quadrado, no melhor estilo Instagram, que limita bastante o espaço em cena. A fotografia lavada e a ausência de apetrechos tecnológicos recentes indicam que esta não é propriamente uma história contemporânea, por mais que o filme jamais a situe em relação a datas. Com um elenco majoritariamente português, Mouramateus também surpreende ao trazer uma trama de sotaque lusitano, de forma a fortalecer uma certa melancolia existencial. É a partir dela que António, interpretado pelo carismático Mauro Soares, cria para si mesmo uma arapuca de forma que, impulsionado pela necessidade, possa deixar de lado o comodismo.
Tal situação, é importante dizer, não é escancarada de imediato. A fuga de António do próprio pai e o refúgio na casa da ex-namorada aos poucos ganha nuances psicológicas à medida que o personagem principal escancara seus sentimentos, em uma sinceridade tocante. Entretanto, este não é propriamente um filme que deseja investigar a psiquê de seus personagens, mas sim apontar comportamentos por vezes mais instintivos do que racionais. O incômodo interior é tão forte que obriga um boicote a si mesmo, de forma que tal sensação seja aliviada - mesmo que, para tanto, outros problemas apareçam.
É neste sentido que a narrativa caminha, com saltos temporais que apresentam os diferentes estágios de vida de seu personagem-título. Aos poucos a presença de António como um espírito livre se estabelece, não por acaso associada à sua participação no cenário teatral. Para ressaltar ainda mais presente e passado, Mouramateus ainda apresenta uma interessante metalinguagem entre vida e arte a partir dos ensaios de uma peça teatral, montando um jogo onde o espectador chega a se questionar sobre o que é (ou foi) real. Trata-se da típica experimentação que o diretor tanto gosta, que surge também através de uma habilidosa brincadeira envolvendo a questão temporal de seus personagens.
Entretanto, por mais que a construção de tal narrativa seja bastante interessante, por outro lado o filme não possui personagens que sustentem tal proposta. Mauro Soares é o único brilho em um elenco coadjuvante opaco, que se limita a cumprir as marcações de texto. Sem ter com quem dialogar, artisticamente falando, o protagonista se vê limitado nesta árdua tarefa de conduzir o longa-metragem, mesmo quando seu interesse amoroso retorna à trama - o que, no fim das contas, traz ao filme outro problema, este conceitual.
Em um projeto com tantas experimentações narrativas, Mouramateus cai na armadilha de se alongar além do necessário. Fosse uns 15 minutos menor, seria um filme redondo sobre a forma de apresentar uma história, mas o diretor se rende à tentação de entregar um final mais conclusivo ao seu personagem principal - cujo desfecho, à sua maneira, remete ao enigma existente em Antes do Amanhecer. Não precisava.
Mais interessante do que propriamente bom, António Um Dois Três é um filme que chama a atenção pelas escolhas de ambientação e de formato, bem distantes da obviedade. Se em relação à forma Mouramateus mais uma vez apresenta uma busca pelo diferente, é preciso ainda burilar melhor o roteiro de forma a entregar personagens mais consistentes e interessantes. Há ainda outro problema em relação à captação de som, onde nem sempre é fácil compreender o que é dito pelos personagens - e o sotaque lusitano é mais um empecilho neste sentido. Incluir legendas é uma alternativa para minimizar esta questão, quando o longa-metragem enfim chegar ao circuito comercial.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.