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    Aos olhos de Ernesto
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Aos olhos de Ernesto

    Simplicidade universal

    por Sarah Lyra

    Como é delicado e sensível o filme dirigido por Ana Luiza Azevedo. Por estabelecer uma relação fraternal entre um senhor de 78 anos, Ernesto (Jorge Bolano), e uma jovem de 23, Bia (Gabriela Poester), Aos Olhos de Ernesto abre um mundo de incontáveis possibilidades, e, ao adentrá-lo, exibe uma impressionante capacidade de trabalhar complexos subtextos e refletir sobre temáticas contemporâneas, como o processo de envelhecimento e o tratamento ao idoso na sociedade, dinâmicas familiares, machismo, violência contra a mulher e relacionamentos amorosos altamente abusivos.

    Diante de problemáticas tão profundas, era de se recear que o roteiro assinado por Azevedo e Jorge Furtado buscasse um leve aceno às discussões, no sentido de se posicionar, mas encontrasse dificuldades em desenvolver nuances e contradições. Felizmente, o resultado em tela é o oposto. A madura direção de Azevedo não apenas demonstra controle sobre o tom da narrativa, como é extremamente eficiente em mesclar um ritmo mais lento com breves picos de excitação, fruto da excelente dinâmica entre Bolano e Poester, que, em sua disparidade etária, despertam o riso a partir de um divertido choque entre gerações. Da parte dele, é impensável assistir a um clássico como Ladrões de Bicicleta em uma tela de celular; enquanto para Bia é um absurdo que Ernesto se refira à amada como “estimada” na troca de cartas.

    Igualmente rica é a interação do protagonista com personagens secundários, como o vizinho Javier (Jorge D'Elía), com quem troca breves comentários sobre o jornal impresso, casamento e a convivência com Bia. Embora haja na conversa um tom que beira o insulto, os diálogos são conduzidos de maneira espirituosa e bem humorada. Mais adiante, entendemos como aquela amizade, por mais superficial que pareça em um primeiro instante, carrega uma enorme afetividade. Isto fica especialmente claro quando Javier passa por uma grande perda, e nos momentos em que o vizinho bate na porta de Ernesto apavorado pelo fato de ter passado de 7h da manhã e o jornal ainda não ter sido pego, o que o levou a concluir que o amigo estava morto.

    Dessa forma, cenas como a do jogo de xadrez, em que cada movimento de peça é acompanhado de uma disputa dos índices de PSA, creatinina, glicose etc. entre os dois homens, se tornam essenciais para expor a importância e as nuances dessa relação. É como Ernesto diz, em certo ponto da trama: envelhecer é perder pessoas que entendam piadas. A afetividade entre as figuras é evidente, ainda que haja resistência em demonstrá-la da maneira mais óbvia. A troca de cartas entre o protagonista e Lucía, por sua vez, um dos pontos mais intimistas da história, é determinante não só para estabelecer o elo de Ernesto com seu passado, mas para conduzi-lo por um processo de libertação temporal e emocional. Assim, o cuidado com que mantém intocados os objetos da casa onde morou com a falecida esposa se torna o sintoma de uma dor não superada e uma inabilidade em seguir em frente.

    Mais do que uma trama pautada em acontecimentos, o longa se faz relevante pelo recorte temático e por respeitar o tempo de desenvolvimento dos personagens. Aos Olhos de Ernesto é um daqueles filmes que surgem de tempos em tempos que, em sua simplicidade, nos lembra da abundância de possibilidades que o Cinema oferece para histórias tão universais.

    Filme visto durante a 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2019.

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