O fetiche da pedofilia
por Bruno CarmeloO início deste drama desperta ótima impressão: com uma câmera livre e belíssima fotografia em preto e branco, o diretor Rafael Kapelinski acompanha três adolescentes em um bairro britânico de classe média-baixa. Eles discutem os dias na escola, as garotas mais bonitas do bairro, as festas a que pretendem ir. Os atores soam naturais, com diálogos bem construídos, anunciando um projeto interessante sobre a descoberta da sexualidade e a passagem à fase adulta.
No entanto, Beijos de Borboleta muda o seu foco para retratar apenas um dos amigos. Enquanto os colegas assistem a vídeos pornográficos com mulheres de seios enormes ou exploram os fetiches da zoofilia, Jake (Theo Stevenson) esconde seu real prazer por garotas pequenas. Por trabalhar como babá para os vizinhos, seus instintos ganham oportunidade de concretização. O roteiro se desenvolve inteiramente em cima desta expectativa: Jake vai abusar de alguma criança?
O drama parece efetuar um questionamento essencial sobre a natureza do desejo pedófilo: neste caso, a intenção é tão grave quanto a prática? Em outras palavras, se um adolescente pedófilo reprimir as suas pulsões e jamais agredir quem quer que seja, ele ainda representa uma figura moralmente condenável? Filmes como O Lenhador, O Clube e O Mundo de Daniel efetuavam este delicado questionamento. Já o diretor britânico não pretende se alongar sobre a ética do desejo: sua real intenção é desenvolver um suspense.
O resultado é prejudicado por uma série de escolhas. Primeiro, ao adotar apenas o olhar de Jake, o filme também observa as crianças como um objeto sexual, sem distanciamento em relação ao protagonista. Segundo, e mais importante, o prazer oferecido ao espectador baseia-se inteiramente na dúvida “vai agredir ou não vai agredir?”, transformando a pedofilia num jogo, uma adivinhação, uma simples reviravolta. Não existe compaixão pelas crianças em cena ou pelos demais personagens. As meninas são vistas apenas como vítimas em potencial. Terceiro, o drama não sabe o que fazer com Jake: rumo à conclusão, o roteiro evita adotar qualquer tipo de julgamento, suspendendo a história num instante ambíguo.
Ora, entre tantos tabus sociais, talvez a pedofilia seja o menos apropriado para um retrato “isento”, indiferente quanto às consequências dos atos. Não se exige uma conclusão professoral, em tom de advertência aos pais, e sim um ponto de vista inequívoco do diretor sobre seu protagonista. Kapelinski evita julgar Jake, e evita julgar a história. Por mais que tenha criado um belo ambiente estético e personagens verossímeis, o cineasta não pode escapar ao conflito armado por si mesmo, tampouco pode abordar a pedofilia como mero fetiche exótico. Mais do que covarde, esta postura é moralmente condenável.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.