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    Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava

    Isto é Brasil

    por Francisco Russo

    Se todo e qualquer registro já feito é também reflexo da história, o que dizer de um dos períodos mais anacrônicos do cinema brasileiro? Foi com esta pergunta em mente que a diretora Fernanda Pessoa enveredou pela pornochanchada em seu longa-metragem de estreia: decidida a ir além da busca constante pela sexualidade alheia, resolveu investigar o gênero ícone dos anos 1970 para oferecer não apenas o recorte de uma época mas, também, o quanto ela influencia ainda nos dias atuais.

    Pelo conteúdo analisado, há em Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava o claro intuito de incomodar. Afinal de contas, o mote em questão é a tão mal falada pornochanchada, sucesso de público em plena ditadura militar que explorava sem pudor a objetificação da mulher brasileira, propagando o machismo latino-americano. Há no filme um punhado de sequências-símbolo desta postura, da saudação fascista com as pernas ao inacreditável diálogo "vocês, mulheres, que são felizes, já nascem com um talão de cheque entre as pernas", que tanto enojam quanto assustam. Houve uma época em que tais situações eram naturais.

    Uma das funções do documentário é justamente tal reflexão, sobre atos de ontem que se perpetuam na atualidade, sob outras formas. Para tanto, a diretora conta com a parceria criativa do montador Luiz Cruz de forma a se apropriar de cenas rodadas em 22 filmes para formar uma narrativa própria. Não há narração nem cartelas, muito menos explicações: no melhor estilo Cinema Novo e Todos os Paulos do Mundo, as sequências são encadeadas a partir de fios condutores que tão bem representam uma época. Da busca pelo gozo ao milagre econômico, passando pelo fetiche por mulatas e carros possantes, Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava passeia por um Brasil datado e censurado, driblando na medida do possível as restrições impostas pelo governo militar ao apresentar subtextos "subversivos", como a greve das prostitutas e a brutal tortura sofrida por mulheres. É a outra face das pornochanchadas, oculta, que também reflete o espírito de um povo - ou ao menos de parte dele.

    De óbvio caráter revisionista, Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava é um filme bem interessante sob o aspecto da análise, do ontem em relação ao hoje, de forma a compreender não só o cinema brasileiro, mas o próprio país. Através da pornochanchada é possível constatar tanto uma conjuntura de exploração da sensualidade, onipresente na tela sem jamais ser explícita, como também de postura como sociedade, com seus interesses e desejos escancarados. Por outro lado, a opção em montar um novo filme a partir do recorte de outros apresenta suas fragilidades tanto na irregularidade técnica, com alguns longas em melhor conservação que outros, quanto no próprio ritmo da narrativa proposta, por vezes cansativo. Ainda assim, pelo desprendimento em escancarar suas estranhas e como reflexo de uma era, trata-se de um documentário investigativo bem instigante.

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