A dissolução da família
por Bruno CarmeloNa maioria dos dramas, o lar costuma ser visto como um núcleo centralizador, o lugar capaz de reunir os membros da família. No filme português Colo, a casa onde moram um pai (João Pedro Vaz), uma mãe (Beatriz Batarda) e a filha adolescente Marta (Alice Albergaria Borges) torna-se um cenário de desolação. O local é não apenas o palco de brigas, mas também o espaço da vergonha, onde o pai desempregado sente-se mal por passar tardes inteiras ociosas, onde a mãe atarefada com dois empregos nunca aparece, onde a filha negligenciada não pretende ficar por muito tempo. O lar é o espaço do convívio forçado, que só prejudica o trio de personagens.
Por isso, é raro encontrá-los sob o mesmo teto, ao mesmo tempo. Em meia dúzia de cenas, dois membros da família estão na cozinha, perguntando onde está o terceiro, que partiu sem avisar. Eles se importam um com o outro, mas não aguentam mais conversar nem se olhar. Por isso, quando fogem, não deixam recado. Os abandonados, conscientes de que podem reproduzir esse comportamento em breve, não reclamam da fuga alheia. Cada pessoa está deixada à própria sorte, retornando ao apartamento apenas quando a tentativa de encontrar algo melhor pelas ruas não deu certo: o retorno torna-se símbolo do fracasso.
Poucos filmes são melancólicos como Colo. A diretora Teresa Villaverde sabe abordar o sentimento de desgaste através dos espaços vazios e da incomunicabilidade. Este é um filme triste sem lágrimas: não existe desespero, apenas uma melancolia paralisante. O trio em cena vai se perdendo, se dissolvendo, desaparecendo diante dos nossos olhos. As metáforas encontradas para tamanha desolação são simples, analógicas: a garota gira sozinha de madrugada, numa avenida, diante do ônibus que nunca vem levá-la para casa – ela nem tinha dinheiro para a passagem mesmo -, o pai vai à praia, num gesto desesperado, e entrega-se nu e faminto à natureza. Em casa, na banheira, coloca um balde sobre a cabeça.
Esteticamente, o filme é construído a partir de escolhas de luz e enquadramentos que poderiam ser confundidas com o amadorismo. Embora lide com movimentos de câmera precisos, a captação digital é simplíssima, as cores ousam ser cinzentas e feias, o céu está constantemente nublado. Nada inspira otimismo: é sintomático que a casa, personagem principal desta história, seja esvaziada de pessoas, móveis e importância ao longo da trama. O roteiro caminha ao vazio, numa prova de que o amor não é suficiente para manter as pessoas unidas. A falta de condições financeiras exerce, sim, um impacto nefasto na dignidade dos indivíduos.
Colo constitui, portanto, um potente filme sobre os sintomas da crise econômica em Portugal. Sem recorrer a obviedades, sem humilhar ou martirizar qualquer personagem, Villaverde os transforma em fantasmas, em pessoas sem futuro. Com um lirismo simples em sua concepção e potente nas simbologias, o filme nada contra a corrente das produções de arte impecavelmente bem construídas e produzidas, ousando ser áspero, incompleto, patético em algumas cenas e artificial em algumas atuações. Mas esta forma deslocada é muitíssimo adequada ao tema - vide a magnífica cena final, quando uma casa (sempre as casas) é abraçada, investigada e depois abandonada pelo olhar da câmera.
Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.