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    Beuys
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Beuys

    O artista que não era artista

    por Bruno Carmelo

    Para quem não conhece o trabalho do artista contemporâneo Joseph Beuys (1921-1986), este documentário oferece um panorama didático das principais passagens de sua vida. As cenas iniciais são as melhores: o diretor Andres Veiel oferece um passeio pelas obras do escultor e performer, incluindo longos vídeos sem qualquer tipo de narração ou intervenção. Entramos no filme como entraríamos numa exposição de Beuys pela primeira vez, experimentando as sensações diante de salas cobertas de espuma, “cadeiras gordas” ou performances com animais mortos.

    O estranhamento é uma ótima porta de entrada para um romântico da arte contemporânea: o artista não se considerava como artista, a não ser que todo mundo pudesse ser chamado desta maneira. Para ele, a intenção das obras era desconstruir a sacralidade da criação e sugerir que tudo poderia ser arte, numa veia conceitual que o aproximou de Andy Warhol, por exemplo. As palestras conferidas pelo alemão em universidades e canais de televisão retratam o artista transformado em obra: a própria presença carismática e debochada de Beuys constituía um espetáculo à parte. As pessoas se deslocavam menos para descobrir o que tinha a dizer do que para vê-lo se comportar de maneira provocativa e esquiva.

    Os problemas do filme começam quando Veiel oferece interpretações cartesianas para as obras ou quando romantiza o processo de criação. Uma de suas colaboradoras passa a explicar a intenção exata por trás de cada obra – algo que apenas empobrece os trabalhos provocadores – enquanto outros sugerem que ele criou trabalhos deste tipo por ter sido mal nutrido durante a infância, ou por sua experiência traumática durante a Segunda Guerra. A tentativa de acesso à personalidade do biografado é frágil e rasteira. Felizmente, ocupa uma parte minoritária do projeto.

    No que diz respeito à estética, o documentário busca ser fragmentado e ágil, com centenas de cortes, efeitos de sobreposição, fades, colagens como em álbuns de retratos, letreiros etc. Existe um ostensivo trabalho de design gráfico para tornar as imagens mais palatáveis ao público médio, algo que talvez não faça muito sentido para o trabalho de um artista que nunca facilitou o acesso a seus desenhos e esculturas. Pelo menos, Veiel consegue sustentar a duração longa de 107 minutos, buscando incluir passagens de sua filiação ao Partido Verde e da sua morte.

    O resultado é um projeto um tanto convencional, que talvez se preocupe demais em associar a vida pessoal com o trabalho de criação de Joseph Beuys. Mesmo assim, quando se abstém de intervir nas imagens do biografado, deixando que os vídeos mostrem por si só as contradições e provocações do escultor, o resultado é gratificante.

    Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.

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