A bela e a ferinha
por Taiani MendesReleituras de clássicos infantis foram moda há alguns anos, seja oferecendo novas abordagens por diversos pontos de vista, seja investigando o que acontece após o “felizes para sempre”. A febre dos live-actions (alô, dona Disney!) veio para superar essa onda, mas Cinderela e o Príncipe Secreto anda algumas casas para trás para mostrar que ainda existem inúmeras transgressões possíveis se tratando de contos de fadas.
Para começar, a protagonista aqui não é exatamente a mocinha maltratada pela madrasta e pelas irmãs, mas sim um ratinho educado, simpático, que arrasa na dança, solidário, guerreiro e fofo. Junto com dois amigos ele orbita ao redor de Cinderela, que faz o que pode para alimentá-los e defendê-los da fúria da família. É por eles que ela decide ir ao grande baile do reino e através deles que entra em contato com a fada madrinha - na verdade uma aprendiz - capaz de ajudá-la na empreitada. A partir de então as coisas tomam um rumo até bastante previsível, mas bem distante da trama popularmente conhecida, honrando o anúncio de uma história “muito diferente” feito pelo ratinho narrador no início da aventura.
Cinderela e o Príncipe Secreto propõe uma subversão bacana, meio A Bela e a Fera adocicada, que coloca a mocinha num lugar mais ativo em termos de ação e passa mensagem de altruísmo e autossacrifício, porém é das obras mais mal feitas entre as animações que chegaram aos cinemas brasileiros recentemente. O longa-metragem dirigido por Lynne Southerland (Mulan 2) tem finalização porca, formas que parecem dos primórdios da computação gráfica e arco dramático bem bobo - o que é até menos grave, afinal é destinado às crianças bem pequenas, que ainda se impressionam com movimentos brilhantes na tela e acham muita graça de flatulência. Justamente por conta desse público-alvo, é lamentável que frutas revelem-se sempre traiçoeiras no filme, que também contradiz sua proposta supostamente progressista investindo em piadas arcaicas envolvendo papéis de gênero e homoerotismo.
Um antagonista batizado Olaf soa como alfinetada em Frozen, mas o fato da produtora Gold Valley Films ser tão limitada em termos artísticos faz a referência resultar tão ridícula quanto o gato que mais parece uma pantera negra ou todo o imbróglio a respeito do anel mágico. Com decepcionante final aberto que não resolve muita coisa, direcionando o público praticamente de forma obrigatória à uma (pouco provável) sequência, Cinderela e o Príncipe Secreto tem uma única canção-tema nada memorável e encontra-se perdido entre o modelo clássico de animação exclusivamente para crianças e o desejo de renovação do formato, desprovido de capacidade técnica ou inventividade criativa que o torne justificável. É um caça-níquel de má qualidade.