Os prazeres da burguesia árabe
por Bruno CarmeloEntre os ocidentais, é comum associar a diversão de homens ricos às grandes festas, bebidas, jatinhos, viagens. Entre a burguesia masculina do Qatar, no entanto, um dos prazeres é a falcoaria, prática de criar falcões que custam cerca de R$75 mil cada um, e são usados em luxuosas competições no deserto. Além disso, os proprietários dos animais organizam corridas com seus jipes nas dunas do deserto e brincam com guepardos reais, mantidos como animais de estimação dentro de palácios luxuosos.
O Desafio adentra esta cultura muito fechada, fornecendo uma série de imagens surreais. A cena com o felino gigante passeando pela areia do deserto e depois subindo elegantemente no banco dos passageiros de uma Lamborghini parece vindo de alguma propaganda de perfumes, enquanto as imagens de jipes gigantescos capotando e levantando uma nuvem de areia poderiam ter saído de uma grande trama de ação. Mas ambos fazem parte do mesmo documentário: o que parece irreal para parte do público é vivenciado com naturalidade pelos homens filmados.
Yuri Ancarani, na direção, se deleita com a composição de imagens belas e luxuosas, combinando com o luxo retratado. Os enquadramentos, em scope e perfeitamente simétricos, valorizam as coreografias dos pássaros e dos carros, a elegância das aves, o cuidado dos animais como se fossem pedras preciosas. Ao mesmo tempo, uma orquestra executa composições originais que não fariam feio no clímax de blockbusters sentimentais, empregadas neste caso em momentos de falcões voando. O cineasta aborda grandiloquência com grandiloquência.
Como resultado, temos uma sucessão de imagens belíssimas, mas não muito reflexivas. Por um lado, é impressionante que a câmera consiga extrair cenas tão cuidadosas a partir de ângulos e locais improváveis, diante de homens bastante cômodos com o registro documental. Por outro lado, não existe qualquer forma de crítica ou distanciamento em relação ao mundo dourado dos personagens. Ancarani observa muitíssimo bem, chama bastante atenção para seu próprio trabalho de diretor, porém oferece poucos comentários para além da beleza plástica das imagens. Os diálogos são praticamente inexistentes, assim como as explicações: a estética neste filme constitui uma finalidade em si.
Pelo menos, O Desafio permite captar aspectos culturais sem necessariamente intervir neles, nem rebuscá-los para além de sua riqueza própria. A direção entra e sai neste mundo com uma transparência invejável, muito bem representada pela pequena câmera instalada nas patas de um falcão, permitindo ao público descobrir a amplitude de uma competição envolvendo o animal. O que pensar de tudo isso – seja uma reação de adesão, inveja, repulsa, curiosidade – fica inteiramente a cargo do espectador. O desafio a que se refere o título pode dizer respeito à dificuldade de vencer nas disputas, à seletividade deste meio social ou ainda aos obstáculos da representação realista de um meio tão distante da realidade da maioria das pessoas.