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    Chocante
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Chocante

    (Sem) inspiração nos anos 90

    por Rodrigo Torres

    Pogobol, TV de tubo, Gugu Liberato, Pintinho Amarelinho. O início de Chocante é um soco de nostalgia para quem cresceu à frente da televisão nos anos 90, dos penteados e figurino às composições grudentas de Plínio Profeta, que conduzem essa aura durante todo o longa. Nesse prólogo dinâmico, vemos a ascensão meteórica da boy band à la Menudos e Polegar que dá título ao filme, que termina com o anúncio de seu capítulo derradeiro, 20 anos depois, com a morte de seu integrante mais carismático, Tarcísio. A notícia é dada pela jornalista sensacionalista Sônia Abraão, em um momento hilário que também anuncia o fim da inspiração da premissa de Pedro Neschling e Luciana Fregolente.

    Não por culpa deles, verdade seja dita. Além da dupla citada e de Rosana Ferrão, o roteiro de Chocante tem a assinatura de Bruno Mazzeo — que contagia o filme com a sua marca. Da comédia de situação feita de boas sacadas e nem sempre engraçadas (desde a série Cilada) à sua alternância com um melodrama terno e tênue, como ele fez até em E aí... Comeu?. Assim é o longa-metragem desde o momento em que reencontramos Téo (Mazzeo), Tim (Lúcio Mauro Filho), Clay (Marcus Majella) e Tony (Bruno Garcia), todos muito marcados pelo tempo e chateados com o término traumático, repentino do grupo.

    O fracasso de cada um após o fim do Chocante é contado rapidamente, com eficiência, quando cada ex-membro enfeita suas novas profissões com um título bacana: "Eu trabalho num supermercado, na área de marketing", diz Clay, que não passa de um anunciante de promoções com um microfone na mão, como vemos em um flashback. A boa gag se repete outras três vezes; o esgotamento é sutil e compreensível. O problema — além de serem antecipadas pelo trailer; um horror da divulgação comercial que compromete a experiência cinematográfica — é essas questões, já apresentadas e de modo tão dinâmico no primeiro ato do filme, serem o fio condutor da trama dramática de todo o longa-metragem. Essa falha de construção de roteiro compromete também o trabalho da edição, impedida de cortar cenas excedentes como aquela em que Clay conta por que foi demitido minutos depois da sequência ter sido mostrada (um erro básico devido à não funcionalidade da repetição).

    Assim, o que se anuncia como um Bingo - O Rei das Manhãs da década de noventa, podendo desenvolver quatro personagens de forma cômica e aprofundar seus dramas, se torna um pastiche típico da teledramaturgia brasileira (que tem a manifesta estratégia de esticar e esgotar uma mesma questão ao longo de uma semana para que o espectador possa perder uns capítulos sem se perder no enredo), resultando em um dramalhão que funciona com pouca consistência no cinema. A consequência de sua repetição temática é um filme de 90 minutos que perde o ritmo, cansa, desaponta. O que segura é o ótimo timing de Geraldo Majella, e uns lapsos cômicos que as caricaturas de Chocante proporcionam: o empresário cafona interpretado pelo singular Tony Ramos; Bruno Garcia incorpora um motorista chucro com tal naturalidade e lugar na realidade que sua sutil homofobia vira graça (e um humor ambicioso); e a dona de casa vivida por Priscila Assum que rouba a cena com seu jeito e frases feitas típicas de mãe — é ver e se identificar.

    Bem como a simpática Klara Castanho não se destaca mais porque Johnny Araújo e Gustavo Bonafé (em direção tímida) não contêm os sorrisos artificiais da jovem atriz, a pena em se assistir ao declínio de Chocante reside no subaproveitamento de seus talentos. O longa-metragem é tecnicamente excelente em diversos aspectos, detalhista na direção de arte, na caracterização dos personagens, seus trajes (tem explicação para o fascínio de Tim por pochete) etc. Desde o argumento, o filme se destaca como um Globo Filmes que anseia ser mais que uma comédia de personagem apelativa no humor e na sanha comercial (a exceção é a inserção grotesca do Telecine Play na trama). E, tal como o impagável epílogo, até que o melodrama compensa no fim: tanto para o público, pelo desfecho bacana; como para Mazzeo, cujo cinema autobiográfico sempre conclui com ternura o processo de aprendizagem de seus personagens.

    Só não sei se as boas qualidades do filme compensam o risco de se ter "Chocaaante" na cabeça pelo resto da semana, do mês, da vida! Para o bem e para o mal, a música "Choque de Amor" gruda mais do que chiclete.

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