O mestre Stanley Kubrick dizia: “Se pode ser pensado, pode ser filmado” – quem sou eu para contrariar uma declaração de um dos maiores cineastas de todos – mas, vendo este novo trabalho de Christopher Nolan, creio que essa “regra” tenhas suas exceções – Tenet mostra que nem sempre uma história diferente e incomum pode se tornar algo estimulante ou totalmente satisfatório para o espectador – ou, ao menos, visualmente e narrativamente organizado o suficiente para que não soe como uma história apenas desnecessariamente confusa – como, lamentavelmente, é o caso deste filme, escrito e dirigido por Nolan, que, ao longo de uma carreira brilhante (tirando um ou outro momento), sempre foi famoso pela complexidade de suas tramas e na forma cirúrgica como as contava – mas, ao final da sessão de Tenet, confesso que não senti todo esse cuidado de construção narrativa, como havia acontecido em A Origem, sua trilogia do Batman ou até mesmo em Interestelar.
Assim como o filme estrelado por Leonardo DiCaprio em 2010, Tenet também envolve espiões – mas, desta vez, em modo mais clássico, a princípio – ao invés de invadirem sonhos, os personagens agora tem recursos para viajar ou prever o futuro – fazendo do longa uma mistura de ficção cientifica com tramas de James Bond – está franquia, aliás, admirada por Nolan – que insere situações bem aos moldes dos filmes do espião britânico – misturando, nisso tudo, elementos que irão nos remeter a outras obras como Minority Report, o próprio A Origem (pela complexidade da trama) e até Interestelar (pelas questões temporais e de física quântica).
Entretanto, a falha de Nolan (tanto pelo seu roteiro e sua condução de trama), vem de um certo desleixo em apresentar as situações e personagens de maneiras mais dinâmicas – algo primordial para garantir a movimentação de uma trama do gênero – e, se antes, os diálogos expositivos não eram tão incômodos nas obras do cineasta devido a boa fluência dos diálogos, em Tenet isso se torna quase que uma obrigação de cada cena – e, evidentemente, isso acaba por ser cansativo – deixando passagens confusas, demoradas e até mal ritmadas – é como se o diretor acreditasse que misturar tomadas em câmera reversa com outras para frente fosse um recurso genial – o que não é, mas poderia ser interessante – e, convenhamos, há momentos bem feitos disso – mas, no geral, parece ser uma regra forçada e pouco cinematográfica – causando uma sensação inusitada de confusão visual – e totalmente desnecessária – pois a trama não é tão complicada assim – mas, parte das explicações técnicas e cientificas o são – ao ponto de uma personagem dizer que é melhor “não tentar entender” como as coisas funcionam – o que, se comparado ao cuidado narrativo de A Origem, não deixa de ser decepcionante.
Tudo isso para contar a história de um agente da CIA (Washington) – identificado apenas como “o protagonista” – que, após ser capturado em uma missão de recuperação de um misterioso artefato na Ucrânia, recebe um convite para participar de um time secreto de agentes – chamados de “Tenets” – para localizar o perigoso terrorista anglo-russo, Andrei Saitor (Branagh), que tem planos desconhecidos com o item perdido na missão no leste europeu – tentando se aproximar de Saitor através da esposa dele, a avaliadora de quadros valiosos, Katherine (Debicki), o protagonista contará ainda com a ajuda do agente Neil (Pattinson) e com as inusitadas armas supostamente vindas de outra época – envolvendo viagens no tempo e leis de física reversa.
Embora as explicações sejam confusas e até cansativas, a história de Tenet é bem simples – lembrando bem um filme de 007 – note como a desenvoltura do personagem de John David Washington (de Infiltrado na Klan) é parecida, às vezes – e isso é algo bem demonstrado pelo ator, que mostra força e desenvoltura para a ação, sabendo manter uma ironia fina e um pouco de personalidade – ou pelos menos o máximo possível disso, já que o roteiro de Nolan não se aprofunda muito em mostrar tais coisas – afinal, quais as reais motivações dele? Ou do personagem de Robert Pattinson – que, infelizmente, é o “encarregado” de dar todas as explicações sobre os funcionamentos das “leis” dos Tenets – um ótimo ator, que faz o que pode com um personagem que, dada a sua importância, deveria ter sido melhor construído – soando apenas como um coadjuvante de apoio, o melhor amigo do protagonista e nada mais – essa frieza dramática fica visível quando Nolan tenta supostamente emocionar com a relação de amizade dos dois mais ao fim – e o recurso falha, pois isso não foi bem desenvolvido antes.
Essa falta de cuidado também acaba caindo sobre o relacionamento abusivo que a personagem de Elizabeth Debicki vive com o terrorista Andrei de Kenneth Branagh – enquanto que a atriz se esforça para tornar crível o drama de sua personagem sobre a chantagem emocional que sofre para permanecer ao lado do marido autoritário e manter contato com seu filho pequeno, ainda sobra tempo para desenvolver uma tensão sexual com o personagem de Washington – já Branagh faz de seu vilão um ser devidamente temível e asqueroso – tentando evitar alguns clichês em suas expressões, o ator nada pode fazer com diálogos pouco inspirados (“Se você não pode ser minha, não será de mais ninguém”) ou com a tentativa tímida de colocar ideais com alusões religiosas por trás de suas motivações para o terrorismo – além de seu sotaque russo não convencer em todos os momentos – de um ator tão fino como ele, é de se estranhar que sua voz soe artificial em alguns pontos – sem falar que o roteiro chega ao ponto de transformar uma tentativa de homicídio entre o casal em algo... corriqueiro – e até pouco funcional para a trama.
Ainda falhando na forma como insere outros personagens – como a Priya de Dimple Kapadia, sempre pausado a narrativa quando surge – Tenet também relega Michael Caine para uma ponta que só serve para inserir mais alguns diálogos expositivos – uma verdadeira marca registrada desse filme – que, infelizmente, acaba sendo irregular em seus atributos técnicos também – em especial sua edição de imagens – confusa, com cortes rápidos demais em momentos chaves (repare no terceiro ato), tornando as cenas de “inversão” ainda mais complicadas do que deveriam ser – mas, nesse ponto, há detalhes curiosos – especialmente quando as realidades de tempo atual e futuro se encontram – achei particularmente boa a cena onde dois personagens lutam – mostrada uma vez pelo ponto de vista de um e, depois, do outro – há ainda a cena do avião e a emboscada promovida pelo protagonista e por Neil, envolvendo um “engavetamento” com um caminhão de bombeiro e outros veículos – entretanto, Nolan parece ter ficado desleixado para conduzir com mais adrenalina alguns momentos – a perseguição com carros andando de ré soa lenta e até sem ritmo – acho que nunca tinha visto uma tomada com veículos tão devagar em um longa de ação – mas é digno de alguns elogios as cenas reversas de tiroteio e lutas – no geral, bem coreografadas – porém, não muito memoráveis – só ganhando força com o apoio rítmico admirável da ótima trilha-sonora de Ludwig Göransson – substituindo à altura o colaborador habitual de Nolan para música, Hans Zimmer – e a fotografia bem esclarecida de Hoyte Van Hoytema evita o uso de filtros artificiais para suas composições – o que ajuda, principalmente, na batalha final.
Mais longo do que deveria, Tenet ainda promete uma continuação – ditando um universo de filmes que irá necessitar de um cuidado maior para o desenvolvimento de sua trama que viaja pelo tempo – em uma época de roteiros bem alinhados sobre o tema – principalmente na série Dark – Christopher Nolan acaba por entregar sua obra mais fraca – entretanto, com alguns pontos interessantes e até diferenciados – embora não mostrados de uma forma mais criativa ou dinâmica – ou seja, é como ter um belo poema em mãos, mas não conseguirmos ler ele todo de uma forma mais clara.
Algo que espero não acontecer com os próximos projetos do diretor, que, como todos sabem, é um dos melhores de sua geração – ele não pode voltar no tempo como os personagens do filme, mas pode voltar a nos trazer obras melhores acabadas e desenvolvidas como já fez no passado.