Uma jornada não tão fantástica
por Barbara DemerovQuando se fala na história de Pinocchio, imediatamente já podem vir lembranças da animação de 1940 produzida pela Walt Disney Studios. Mas, nesta versão renovada do boneco que deseja se tornar um menino de verdade, grande parte da magia se esvai numa trama que opta por destacar mais pontos realísticos do que fantasiosos. Tal característica acaba por ser uma via de duas mãos: é o ponto que favorece a obra por promover certa mudança, mas também é o ponto que diminui a força da história.
No filme de Matteo Garrone, é de se admirar todos os aspectos visuais da trama, desde o boneco em si (que possui uma bela maquiagem que nem parece ser digital) até o mundo que ele vai conhecendo aos poucos devido à sua vontade de ser livre. As cores, majoritariamente em tons pasteis, são mais frias do que o esperado, emanando uma realidade que pode não ser tão convidativa. Os figurinos e maquiagens dos demais personagens secundários dão mais cor aos cenários, ao mesmo tempo que a maior parte das atuações seja apoiada em exageros lúdicos.
O protagonista Pinocchio, que já nasce sabendo correr, nos mostra fragmentos da sociedade que o cerca através de seus olhos ingênuos e nem sempre gentis - especialmente no que se diz respeito à relação entre ele e seu criador e pai, Geppetto (interpretado com carisma por Roberto Benigni). O sentimento contido na ligação entre os dois se dá muito mais por parte do carpinteiro italiano, que sempre sonhou em ser pai, do que por parte do menino. Fica a impressão de que faltam alguns preciosos minutos no início do longa para promover este importante elo antes de Pinocchio se aventurar por aí.
Pinocchio não busca atualizar o conto e contém inúmeros elementos similares à animação, como a baleia gigante, os meninos que se transformam em burros, a Fada Azul e o circo com bonecos. A única característica que é modificada para trazer mais fantasia e bondade à trama é o comportamento do dono do circo, Mangiafuocco, que espirra quando tenta reprimir alguma emoção. Ele acaba ajudando Pinocchio e é o elemento-surpresa; da mesma forma que o Grilo Falante apenas aparece algumas vezes, sem ter o mesmo tipo de relação afetuosa com o garoto.
O protagonista em si já é um elemento fantasioso, mas o filme sempre nos puxa de volta ao chão com situações cruéis e fortes - há até uma cena de enforcamento envolvendo dois ladrões que buscam roubar moedas mágicas de Pinocchio até o fim. No entanto, ao passo que vamos relembrando momentos-chave desta história, parte da magia se mantém viva. Apesar de todas as perambulações, este é um filme de uma história muito simples: ele se resume ao amor fraterno entre um homem solitário que conhece mais do mundo e um menino com a urgência de ver novos horizontes, mas que acaba se voltando para dentro ao perceber o que realmente importa.
Filme visto no 70º Festival de Cinema Internacional de Berlim, em fevereiro de 2020.