Os Outros + O Chamado = Tudo que você já viu
por Renato HermsdorffDireto ao ponto: cinema é (também) indústria. E a meca do ramo é Hollywood. Basta uma produção (um gênero) fazer sucesso, e boa parte da Hollywood corre atrás do próprio rabo. Até aí, nada de errado, propriamente. O cinema gera empregos, forma público. Agora, se nem eles se cansam da autorreferência, o que dizer do resto do mundo? Enquanto houver dólares (rublos ou reais), é dentro dessa lógica mercadológica que duas produções russas desembarcaram recente no Brasil. Primeiro, Os Guardiões (“filme de super-herói”); agora, A Noiva (“filme de terror”).
O cineasta francês Jean-Luc Godard disse certa vez que o importante não é a originalidade (nada é original, não sejamos inocentes), mas a autenticidade. Recorrendo a uma série de clichês do gênero, A Noiva é uma tentativa risível de misturar Os Outros (2001) e O Chamado (2002).
Escrito e dirigido por Svyatoslav Podgaevskiy, a produção é aberta com um prólogo, que se passa no século XIX. Inconformado com a perda da esposa, às vésperas do casamento, um fotógrafo resolve recorrer a uma antiga (e de bases verídicas) tradição: fotografar o defunto com olhos pintados nas pálpebras fechadas. O ritual, os antigos acreditavam, era uma forma de preservar o espírito do falecido.
Mas ele vai além e resolve sacrificar uma virgem, no intuito de transferir a alma da falecida para o corpo saudável da “vítima”. Comparado com o pano de fundo que move o longa de Alejandro Amenábar protagonizada por Nicole Kidman, trata-se de uma versão até… autêntica.
Corta para os dias atuais, onde vemos uma moça (Victoria Agalakova) de calcinha cuidando de passar a roupa do namorado. A semi-nudez gratuita é datada (nem mesmo a Hollywood que se respeita tira as roupas de suas atrizes sem motivo hoje). O mesmo vale para o comportamento submisso da protagonista. Mas isso são outros quinhentos.
O fato é que, de repente, o noivo (Vyacheslav Chepurchenko) da moça é convocado para uma reunião de família na tradicional casa deles - isolada, claro - no campo. E lá, coisas estranhas acontecem na vida do casal.
É a partir do desenrolar da história no presente que toda a situação se degringola. Apesar do competente trabalho de design de produção, a experiência narrativa é calcada nos chavões do gênero, seja na trilha sonora que força a mão na condução das emoções dos personagens, seja no som explosivo para assustar a plateia.
Ficasse no efeito metalizado de voz, no jeito “Samara” da noiva se mexer, vá lá… Há quem se divirta nessa zona de (des)conforto. Mas o abuso dos códigos do gênero resulta em situações de humor involuntário, como na ridícula cena final que, claro, abre o caixão para a possibilidade de uma sequência. Quem vai definir é o dinheiro.
E uma observação: se é para dublar um filme falado originalmente em outro idioma (o russo, neste caso), as distribuidoras deveriam optar pelo lançamento exclusivamente em português. A dublagem em inglês da cópia exibida para a imprensa só contribui para o tom (não intencional) de pastiche da obra. Sem puxa-saquismo, os nossos dubladores são muito melhores do que os deles.