Manifesto pacifista
por Bruno CarmeloExodus é um documentário de grandes proporções, como raramente se vê no cinema brasileiro. O projeto ostenta uma produção impressionante: começamos com imagens aéreas de regiões desérticas ao sul do Marrocos, para depois viajar à Alemanha, ao Sudão do Sul e muitas outras partes da África na intenção de captar grupos étnicos distintos que sofrem perseguição e sonham com uma vida melhor. O diretor Hank Levine registra a garota Síria morando no Brasil, o militante de Togo que ficou nove anos preso em campos de refugiado, a família da Birmânia que sonha em retornar à sua casa...
Existe uma preocupação evidente com a representatividade. O projeto filma homens e mulheres, jovens e idosos, das mais distintas religiões e etnias, para traçar um mosaico global da exclusão. Os entrevistados fornecem informações sobre as falhas no sistema de asilo internacional, as dificuldades de inserção cultural, o descaso dos governos locais etc. Ao mesmo tempo, imaginam soluções distintas: a mulher do Sudão consegue a cidadania através do casamento com um alemão, a senhora idosa do Saara se recusa a sair de perto de suas terras, o garoto palestino deseja chegar à Europa com a ajuda de contrabandistas. Como ferramenta de constatação e descrição de um problema, este projeto funciona muito bem.
A limitação aparece na hora de refletir sobre o exílio. O diretor opta pela inclusão de legendas em tela, explicando os conflitos locais de modo extremamente sucinto. A guerra civil na Síria, por exemplo, é descrita como um “conflito sangrento” que forçou pessoas a saírem do país. Não se entende o que motivou os confrontos ou quem são as instâncias do poder responsáveis por ela. Não se fala em Bashar al-Assad, Primavera Árabe, Baath, jihadistas etc. O filme não tinha a obrigação de dar uma aula de geopolítica, mas nenhuma guerra ou perseguição étnica pode ser compreendida sem um estudo atento às origens do problema.
Talvez por isso Exodus dispense os materiais de arquivo: seu viés é humanista, e não histórico. Ao invés de incluir imagens de chefes de estado, de guerras ou depoimentos de especialistas, Hank Levine prefere incluir um poema, lido por Wagner Moura em voz off. O texto relembra as dores de refugiados, mas em conjunção com as imagens realistas, funciona como puro instrumento de retórica, fazendo perguntas óbvias e reiterando problemas descritos com maior eficiência pelas imagens.
Em termos políticos, o documentário tem pouco a dizer para além do humanismo evidente: guerras são nocivas, nenhum indivíduo deveria ser perseguido por sua etnia ou sua crença, todos deveriam ter o direito de ir e vir, os governos deveriam se sensibilizar mais ao caso dos refugiados. Ignora-se o debate sobre propostas efetivas de mudança: seria melhor o ativismo agressivo da sudanesa do sul, ou o enfrentamento da legalidade das regras, no molde do garoto palestino? Ou ainda a resistência da mulher do Saara? Existem partidos propondo alternativas interessantes, ou ONGs com propostas eficazes? Não se sabe. Mesmo assim, o projeto constitui uma boa reportagem de sensibilização ao tema. Uma espécie de olhar introdutório para se buscar, em outros materiais, mais informações sobre a questão dos refugiados.
Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.