Minha conta
    Olhando para as Estrelas
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Olhando para as Estrelas

    Balé como meio de superação

    por Rodrigo Torres

    Olhando para as Estrelas integra com dignidade a boa safra de documentários lançados no Brasil em 2017. E dialoga bem com um dos melhores: Reset - O Novo Balé da Ópera de Paris. Pela temática de dança especialmente, pois a deficiência visual é o aspecto mais importante na obra nacional, e por isso a diferencia. Assim, enquanto o filme francês condensa a tensão no tempo escasso para a realização do espetáculo, retratando o sacrifício físico e outros problemas tradicionalmente inerentes ao balé, Alexandre Peralta compreende a dança como uma bênção na vida de suas personagens, tratando a vida e a condição que elas portam como o real ponto de conflito do longa — devidamente.

    Geyza Pereira e Thalia Macedo são as protagonistas. Ambas perderam a visão durante a infância, em relatos que emocionam pela contundência e pelo sofrimento imposto a uma criança. A debilidade do Sistema Único Saúde (principalmente fora do Eixo Rio-São Paulo), das vias públicas e do trânsito de pessoas nas capitais brasileiras é abordada com relevância e suficiência, sem tornar o documentário um filme-denúncia quadrado. A narração em off e os depoimentos das personagens nunca se manifestam com redundância, complementando a imagem. Em geral, porém, a imagem é suficiente, e assim consolidada na tela.

    Naturalista em termos de iluminação, a fotografia de Alejandro Ernesto e Guan Xi evoca os obstáculos vividos por Geyza e Thalia com uma composição visual embrutecida. A câmera trêmula sublinha a insegurança de quem se apoia quando anda. O zoom vai e volta sem preocupação com o enfoque, compondo um jogo visual condizente com a descrição narrativa. Os cenários, aparentemente intocados pela equipe de direção de arte, ressaltam simplicidade ou precariedade. Nesse sentido, há um contraponto grande com Reset: como Benjamin Millepied prima pela perfeição, cada cena é como um lindo quadro. A dureza da realidade das personagens de Olhando para as Estrelas direciona a narrativa e toda a mise-en-scéne, muitas vezes feia apesar de bem pensada, realizada de forma adequada. Quando um plano detalhe fecha no zíper do vestido de noiva de Geyza e manifesta lindamente a realização de seu sonho de casar, o filme mostra onde há espaço para a beleza: na superação de suas personagens.

    Alexandre Peralta manipula essa narrativa com primor. O relacionamento longevo de Geyza com seu futuro marido só é revelado quando conveniente; enquanto ela diz se cobra em ser uma super esposa, a imagem, paralelamente, ressalta sua limitação e sua dependência de maneira comovente. Assim também é o retrato do preconceito sofrido por Thalia na escola e a conformação de um deficiente visual com a discriminação que sofre. Por isso, Olhando para as Estrelas não se empenha em demonstrar que a Cia Ballet de Cegos é a única instituição profissional no mundo dedicada a portadores dessa grave condição — os ensaios são repletos de erros. E também por isso a apresentação do espetáculo não é encadeada como clímax final do filme, sendo sucedida pelo nascimento do filho de Geyza. O balé a salvou, segundo a própria. É, assim, um meio para o que mais importa, para a sua verdadeira paixão: a vida.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top