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    Thelma
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Thelma

    Mea maxima culpa

    por Bruno Carmelo

    Algo está perseguindo Thelma (Eili Harboe). Quando a estudante entra na universidade de biologia, os pássaros no céu parecem segui-la. As cobras também. Os pais religiosos acompanham seus passos, fazem com que ela confesse qualquer deslize. Desde a magnífica cena inicial, percebemos que ela está em perigo. A câmera não para de espiá-la, à distância, em planos aéreos, remetendo ao olhar de uma figura divina, meio protetora e meio punitiva. Sabemos que algo grave está prestes a acontecer com a personagem – ou talvez já tenha acontecido.

    Aos poucos, descobrimos uma jovem cristã corroída pela culpa. Por um lado, a moral estimula que ela reprima todos os seus desejos, o que inclui a proibição de álcool, drogas e sexo. Por outro lado, a sociedade fornece a oportunidade de expressar suas pulsões e viver novas experiências. O pai queima a mão da garota numa vela e chantageia: “O inferno é sempre assim”. Um médico começa a estimular lembranças e pede: “Deixe seus pensamentos livres”. Afinal, a felicidade se encontra na liberdade ou na opressão? A jornada de amadurecimento é retratada como uma fábula sobrenatural pela ótica do diretor Joachim Trier.

    A primeira metade, mais forte, acompanha a protagonista em cada cena, descobrindo junto dela as tentações oferecidas pela universidade. O roteiro articula muito bem as insinuações e as cenas concretas, ou ainda as metáforas e os fatos. Não se sabe ao certo o que é real ou imaginário no suposto poder de Thelma em agir sobre o meio ao redor. Ela seria realmente capaz de mover objetos? A sua pulsão sexual seria responsável pelos acontecimentos? Thelma seria, ao mesmo tempo, uma super-heroína e uma jovem amaldiçoada por seus poderes? Através de cenas elegantes, muitíssimo bem filmadas e fotografadas, o cineasta constrói metáforas expressivas para representar as incertezas do mundo adulto.

    A segunda metade, no entanto, trata de elucidar as dúvidas. A indefinição entre verdade ou imaginação é eliminada em favor de uma delas apenas. De repente, a protagonista não é mais ativa, ela se transforma em vítima das circunstâncias ao redor – seja a análise dos médicos, o flerte da colega de faculdade ou o controle dos pais. Os fenômenos sobrenaturais passam a ter uma leitura única – após permitir ao espectador passear por uma série de interpretações, o filme aponta o caminho correto. A escolha torna o conteúdo mais acessível ao público, porém menos instigante.

    Pelo menos, Thelma cria imagens potentes para representar o desejo sexual e a opressão religiosa. Trier parte de metáforas clássicas (a serpente, o fogo) e subverte o sentido de cada uma delas. Além disso, retrata de modo complexo a reação das religiões diante das transformações sociais: para o conservadorismo, a diferença é necessariamente errada, precisando ser controlada e banida. Felizmente, os pais religiosos não se transformam em vilões – o público é levado a compreender, aos poucos, a origem de suas razões. O filme é beneficiado pela construção extremamente complexa de personagens e pelas imagens belíssimas – assim como em Oslo, 31 de AgostoBlind e Mais Forte que Bombas, dos mesmos criadores – mas se fragiliza pela condução moderada da narrativa. Thelma possuía elementos de sobra para assumir de vez a sua vertente, sempre à espreita, de terror social.

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