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    Desobediência
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Desobediência

    Romance cinzento

    por Bruno Carmelo

    O espectador começa este drama sem conhecer as principais informações sobre as personagens. Vemos Ronit (Rachel Weisz) receber uma ligação importante em seu estúdio fotográfico nos Estados Unidos e fazer uma viagem de volta à Inglaterra, seu país de origem. Mas demoramos a entender o risco de sua presença no funeral, em que circunstâncias saiu do local, quem deixou para trás, quanto tempo ficou fora, qual a sua relação com o falecido. Este início representa a melhor parte do filme, porque propõe uma identificação com a personagem antes mesmo de podermos julgá-la. Ronit está de luto, e perdeu alguém importante. Para o diretor Sebastián Lelio, é isto que realmente importa.

    Aos poucos, descobrimos que a fotógrafa viveu um caso amoroso com a amiga Enit (Rachel McAdams) no passado. Dentro de uma comunidade judaica conservadora e pequena, o relacionamento foi motivo de escândalo, levando ao exílio da primeira e ao casamento forçado da segunda. É questão de tempo antes que o reencontro reacenda os sentimentos passados. A narrativa trabalha com um prenúncio de tragédia, uma espécie de equivalência entre o amor e a destruição. O roteiro dedica-se a tornar esta aproximação lenta, delicada, e mais intensa a cada encontro. Quando enfim chegam os beijos e o sexo, o espectador compreende plenamente a natureza do sentimento amoroso de cada uma – Ronit, a bissexual que jamais se relacionou com outras mulheres, e Esti, a homossexual que se esconde num casamento de fachada.

    Desobediência faz questão de ressaltar a infelicidade das protagonistas. Esteticamente, este é um mundo cinzento, de dias nublados, personagens vestidos apenas de preto e cinza – seja pelo luto, seja pelo pudor da religião -, trilha sonora fúnebre, montagem lânguida, e câmeras opressivamente focadas nos rostos, de modo a captar cada olhar furtivo e nostálgico, cada humilhação em silêncio. Enquanto isso, rabinos discursam sobre os perigos do livre arbítrio (os homens, diferentemente dos anjos e dos animais, têm a possibilidade de descumprir a vontade de Deus, ele afirma) além do valor da honra, da autoridade masculina, das obrigações conjugais. A profunda violência da trama acontece através de palavras e de um asfixiante código moral.

    A pesada atmosfera serve ao mesmo tempo como atributo, em termos de realismo e respeito às regras judaicas, e como desvantagem no que diz respeito ao ritmo e à evolução das personagens. Lelio não enxerga nenhuma possibilidade de respiro, nenhuma metáfora que faça as personagens felizes – Rachel McAdams e Rachel Weisz estão condenadas a ostentarem um semblante doloroso cena após cena, como se segurassem as lágrimas ao longo de quase duas horas de duração. Ambas possuem recursos de sobra (mesmo com o sotaque britânico vacilante de McAdams), completando o trio com o brilhante Alessandro Nivola, mas suas personagens praticamente não se desenvolvem – o desejo sexual e o sentimento amoroso existiam desde o começo, e continuam existindo da mesma forma até o final. Lelio demonstra maior preocupação social do que estética, sendo incapaz de oferecer alternativas aos close-ups. De certo modo, ele critica a opressão sendo igualmente opressor.

    Desobediência se sobressai positivamente pela coragem em adotar unicamente o ponto de vista feminino, pela frontalidade na abordagem do sexo, e por preferir os dramas internos ao espetáculo de choros, brigas e lágrimas. Este é um drama à moda antiga, do tipo que coincide profundidade de personagens com a intensidade de seu sofrimento, acompanhando-os tacitamente através de um périplo esperado. Ao espectador, cabe o olhar de compaixão, mas jamais o posicionamento crítico. Este é um projeto de piedade, ternura e cumplicidade. Mesmo assim, a cartilha humanista é desempenhada com competência, graças ao trio de atores bem escolhidos, que talvez pudessem oferecer ainda mais caso o projeto permitisse maior criatividade ou variação.

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