Intimidade forçada
por Francisco RussoConceitualmente, Intimidade entre Estranhos é dos projetos mais ousados no cinema brasileiro em um bom tempo. Afinal de contas, não é sempre que um álbum musical é usado como inspiração para o roteiro de um longa-metragem, ainda mais quando o próprio autor - no caso, Frejat - também participa da trilha sonora, entregando novas canções especialmente para o projeto. Infelizmente, apesar de tal proposta tão desafiadora, o resultado final é bem longe do esperado.
Mais uma vez saindo de seu habitat cômico, o diretor José Alvarenga constrói um drama calcado na proposta literal do título, que dialoga com uma certa crítica sarcástica em relação aos filmes B - ou, no caso, às produções de baixo orçamento existentes na TV. O curioso é que, ao tomar esta posição, o próprio Intimidade entre Estranhos assume uma faceta do tipo, seja pela escolha de um elenco longe do mainstream ou mesmo pela construção dos personagens, ora apelando aos estereótipos prévios do próprio elenco ora a uma construção narrativa um tanto quanto forçada, de forma a reforçar a tal estranheza entre os envolvidos.
A história, de certa forma, é simples: uma mulher retorna ao Rio de Janeiro para acompanhar o marido, ator, que tem a grande chance de sua vida ao protagonizar uma minissérie bíblica baseada em Noé, sem saber que teria seríssimas restrições orçamentárias. Esta subtrama é o que filme entrega de melhor, seja pelo carisma de Milhem Cortaz ou mesmo por sua carreira prévia, repleta de produções na Rede Record - sim, veneno escorrendo no roteiro de Matheus Souza e do próprio Alvarenga. Já a mulher em questão é Rafaela Mandelli, mais uma vez interpretando uma personagem de forte apelo sexual - ecos de O Negócio - que, aqui, está no controle da arte da sedução. Seu alvo - vítima? - é o jovem e solitário síndico Horácio (Gabriel Contente), na deprê devido à morte da avó e um relacionamente recém-desfeito.
Durante a trama, o ator se dedica demais ao novo trabalho e ela, assombrada por fantasmas do passado, sente-se cada vez mais só. Se a desavença e posterior aproximação entre Maria (Mandelli) e Horácio torna-se evidente, causa uma boa estranheza como tal dinâmica ocorre aos trancos, sem qualquer fluidez. Alvarenga deseja justamente isso, incomodar o espectador ao trazer à narrativa o título do filme, mesmo que isto lhe custe desenvoltura. Soma-se a isso a edição que busca ressaltar momentos de intimidade de forma brusca, como idas súbitas ao banheiro ou mesmo diálogos que revelam um histórico nem um pouco sublime, por parte dos personagens.
É a partir de tais experimentações que Alvarenga constrói seu filme, se equilibrando em escolhas duvidosas em nome de uma proposta formal pré-estabelecida que, por sua vez, atingem em cheio a coesão da trama. Soma-se também a má atuação de Gabriel Contente, extremamente apático, e as repetitivas (e bobas) piadas envolvendo futebol.
Se Alvarenga merece crédito pela ousadia em tentar algo pouco convencional à sua carreira, Intimidade entre Estranhos carece de elementos que cativem o espectador em relação aos personagens e à própria história, que soa arrastada e repetitiva. No fim das contas, a sensação que fica é que o filme está longe da obra de Frejat, e mais perto dos versos de uma conhecida canção de Ana Carolina: "Eu vou te dando linha para depois te abandonar".
Filme visto em novembro de 2018, no Festival do Rio.