O cinema como arma de conscientização
por Bruno CarmeloTalvez os brasileiros tenham pouca familiaridade com o massacre de El Amparo, ocorrido na Venezuela em 1988. Na ocasião, quatorze pescadores foram assassinados pelo exército do país, sob acusação de pertencerem à guerrilha colombiana que planejava executar um atentado terrorista. Fotos dos cadáveres ao lado de armas circularam pela mídia, até descobrirem que as imagens foram encenadas pelos militares para se livrarem de seus crimes.
El Amparo, dirigido por Rober Calzadilla, decide resgatar essa história. Não porque acredite ter informações novas ou um ponto de vista diferente, e sim por defender a tese de que abusos de poder de tal magnitude jamais deveriam ser esquecidos. O projeto nasce como ferramenta de conscientização sobre a importância dos direitos humanos e a falência das instituições tradicionais, especialmente nos países com forte desigualdade social. Os brasileiros não devem ter dificuldade para se identificar com a paisagem desoladora de maus-tratos e exploração humana.
Esta produção é pequena, com recursos limitados. O cineasta cola a câmera nos rostos dos homens e dos habitantes locais, seguindo-os no planejamento da pesca e no instante seguinte ao massacre, quando os dois únicos sobreviventes passam a ser perseguidos. Calzadilla consegue imprimir uma bem-vinda sensação de naturalidade nos diálogos e atuações, embora siga a cartilha do naturalismo semidocumental sem buscar metáforas, ambiguidades ou sugestões. Tudo está claro neste panfleto que prega um ensinamento inequívoco. Não há dúvida sobre quem são os mocinhos ou bandidos neste caso.
Nem mesmo a importante cena do massacre aparece em cena – por restrição orçamentária, provavelmente. De qualquer modo, a imagem é simples, minimalista, reunindo dois ou três personagens conversando em cada plano, com um formato clássico, em scope, colocando os homens e mulheres nos terços exatos do enquadramento. Quando o roteiro decide abordar os pescadores ou suas esposas como uma massa indistinta, com reações e argumentos idênticos, a composição perde em veracidade. No entanto, quando El Amparo esmiúça as diferenças de opinião entre eles – os sobreviventes deveriam ceder às chantagens da polícia? Aceitar o suborno? – a trama cresce em complexidade e riqueza psicológica.
Apesar da aparente linearidade da narrativa, percebe-se que o interesse da direção se encontra na gradação das pressões sofridas pelos mais pobres por parte dos políticos e militares. Todos os tipos de abuso e constrangimento moral são infligidos aos pescadores, na tentativa de explorar a fragilidade econômica e cultural dessas figuras – vide a pressão dos advogados para que assinem termos de confissão sem concordar com os mesmos. El Amparo se encerra como um ato de resistência, bruto e justiceiro, na expectativa de sensibilizar o maior número de espectadores. Trata-se de um cinema pouco inventivo esteticamente e limitado em termos de reflexão, mas plenamente consciente de seus objetivos e das ferramentas de linguagem à sua disposição. Por sua clareza e transparência, atinge o alvo pretendido.